Amigos da Alcova

domingo, 25 de dezembro de 2016

Súcubo


Emiliano Pernetta (1866-1921)


Desde que te amo, vê, quase infalivelmente,
Todas as noites vens aqui. E às minhas cegas
Paixões, e ao teu furor, ninfa concupiscente,
Como um súcubo, assim, de fato, tu te entregas...

Longe que estejas, pois, tenho-te aqui presente.
Como tu vens, não sei. Eu te invoco e tu chegas.
Trazes sobre a nudez, flutuando docemente,
Uma túnica azul, como as túnicas gregas...

E de leve, em redor do meu leito flutuas,
Ó Demônio ideal, de uma beleza louca,
De umas palpitações radiantemente nuas!

Até, até que enfim, em carícias felinas,
O teu busto gentil ligeiramente inclinas,
E te enrolas em mim, e me mordes a boca!


quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

As you like it



Guimarães Passos (1867-1909)

A Fontoura Xavier

Tu tens quinze anos, apenas...
Com diferença de meses;
E eu quase quinze... duas vezes.
‘Stou velho! Não tem que ver...
Tu entras a primavera
Com todo o galhardo entorno,
E eu vejo o amarelo outono
Os braços a me estender.

As rosas fulgem-te às faces,
Estás na estação das flores;
Teus lábios furtam as cores
Que as rosas das faces têm.
O nardo nos teus cabelos
Desprende um cheiro tão doce!...
Um homem aproximou-se
Ficou cheirando também...

Que lírios não se envergonham
Se às tuas mãos se comparam?
Os lábios que te beijaram...
Não! Tal ninguém nunca fez...
Beijasse-os alguém e eu juro:
Tal néctar encontraria,
Que, com certeza morria...
Se não os beijasse outra vez.

Que um beijo mata é verdade;
Porém, outro beijo cura,
É o caso da mordedura,
Da mordedura do cão;
Um só transtorna a cabeça,
Mas, se outro em cima se emite,
Provoca mais o apetite,
Mas faz bem ao coração.

Eu, nessa história de beijos,
Posso falar de cadeira:
Que, ou beijo por brincadeira,
Ou beijo com tal furor,
Que, quando o sutil veneno
Pensa encontrar-me disposto,
Já beijei tanto por gosto,
Que beijo então por favor.

Voltemos à vaca fria...
Não queres me ouvir?! Pudera!
Tu estás na primavera...
Vamos lá: no outono estou.
Tu tens as flores mais frescas,
Tens os lírios impolutos
E vês que eu gosto de frutos...
(Me culpe quem não gostou!)

Fiquemos ambos tranquilos!
As estações respeitemos!
É bom que nos evitemos,
Por muitíssimas razões.
Uma delas, a mais forte
Talvez, ou das mais felizes,
É mesmo, como tu dizes,
O choque das estações.

Então, primavera e outono
Ardem num fogo de estio...
Vem depois um doce frio,
Uns tremores anormais...
E, quando os olhos abrimos,
Nós, que os fechamos serenos,
Que vês? Uma flor de menos...
Que vejo? Um fruto de mais...


terça-feira, 15 de novembro de 2016

Plena nudez


Raimundo Correia (1859-1911)


Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas...

Não quero, a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
De transparente túnica através:

Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios

Nus... toda nua, da cabeça aos pés!

sábado, 29 de outubro de 2016

Encarnação



Cruz e Sousa (1861-1898)


Carnais, sejam carnais tantos desejos,
Carnais, sejam carnais tantos anseios,
Palpitações e frêmitos e enleios,
Das harpas da emoção tantos arpejos...

Sonhos, que vão, por trêmulos adejos,
À noite, ao luar, entumescer os seios
Lácteos, de finos e azulados veios
De virgindade, de pudor, de pejos...

Sejam carnais todos os sonhos brumos
De estranhos, vagos, estrelados rumos
Onde as Visões do amor dormem geladas...

Sonhos, palpitações, desejos e ânsias
Formem, com claridades e fragrâncias, 
A encarnação das lívidas Amadas!

domingo, 9 de outubro de 2016

Unde salus?


Múcio Teixeira (1857-1928)


Meu caralho murchei na foda insana
Dos cus e conos em que me esporrava;
Ai, louco eu cria e crédulo esperava
Ser em mim imortal potência humana!

De quantos cus – de fêmea e de sacana –
No constante calor eu me esquentava!
Mas, eis que tenho a pobre porra escrava
Do mal que o gálico em caralhos dana.

Conos, escravos meus, e meus senhores;
O que mais ergue as pontas do bigode,
Menos levanta o facho dos amores.

Ninguém nesta impotência aqui me acode;
Recolha espinhos quem colheu mais flores;
Tome no cu – quem fornicar não pode.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

totem


Zemaria Pinto


a língua percorre ávida
o rosto molhado
os olhos cerrados
a boca afogada
os seios em fogo sob a água

minhas pernas sustentando
tuas pernas bailarinas
metamorfose dos corpos
fundidos, totem armado
no quadrilátero âmbar

cantam crianças
pássaros cantam
fulgor na tarde avermelhada
asas-deltas ultraleves
e um blues na sala solitária

a água no corpo
o corpo no corpo
bocas e pernas e mãos
teu gozo estremece
meu corpo
meu sêmen chove de mim

teu dorso incandescente
a parede fria
o grito sufocado
e a alegria
– ah, a alegria
de fazer parte de ti!

domingo, 4 de setembro de 2016

Lábios que beijei 62


Zemaria Pinto
Suely

Amante do pastor de sua igreja, Suely procurou-me no banco em busca de orientação financeira. Sem revelar a origem do dinheiro disponível, ela queria uma proteção contra a inflação descontrolada. Numa época de aplicações instáveis e inseguras, aconselhei-a a comprar dólares no mercado negro – ao qual hoje se aplica o eufemismo de paralelo – e guardá-los no próprio banco, com escrituração e seguro – uma operação limpa e livre de qualquer controle fiscal. Suely era uma mulata vistosa que a roupa típica das crentes não conseguia esconder. Sabendo-se bonita e desejada, sua expressão equilibrava-se entre a caricatura e a sensualidade: as pernas cruzando e descruzando, falava muito baixo, como se estivesse trocando segredos, com uma voz quente e sedosa; seus olhos nunca paravam no mesmo ponto por mais que dois segundos; os dentes brancos sempre à mostra deixavam passar a língua roxa, que ela insistia em deslizar pelos roxos lábios carnudos. Convidei-a para um almoço, que ela recusou dizendo que não poderia ser vista em público. – Não seja por isso, há muitos lugares onde podemos ir sem ser vistos. No início, quis se fazer de ingênua – aí não, nunca fiz isso, não sei como fazer aquilo. Aos poucos, foi se entregando à lascívia que tomava conta de seu belo corpo acastanhado, sem pudores, sem rodeios, sem limites. Não fazíamos amor: fodíamos. Esse verbo estava presente no auge da excitação de Suely – me fode; fode meu cu; fode a boceta da tua nega. Uma ocasião o pastor acompanhou-a até o banco. Não quis sentar-se, olhando para um lado e para o outro, nervoso. Sacou a maior parte dos dólares guardados e saiu quase correndo. Depois soube que a polícia estava em seu encalço, denunciado que fora pelo seu “sócio” na igreja. Poupada, Suely amasiou-se com o segundo pastor e o saldo voltou a crescer com rapidez. Continuamos fodendo muito – até que ela fez uma retirada total e nunca mais deu notícias. 


(Para ler outros contos desta série, clique em Lábios que beijei)

domingo, 28 de agosto de 2016

Ponto de vista



Leila Míccolis


Eu não tenho vergonha
de dizer palavrões,
de sentir secreções
(vaginais ou anais).
As mentiras usuais
que nos fodem sutilmente
essas sim são imorais,
essas sim são indecentes. 

domingo, 14 de agosto de 2016

Exterior



Waly Salomão (1943-2003)


Por que a poesia tem que se confinar
às paredes de dentro da vulva do poema?
Por que proibir à poesia
estourar os limites do grelo
                        da greta
                        da gruta
e se espraiar em pleno grude
                   além da grade
do sol nascido quadrado?

Por que a poesia tem que se sustentar
de pé, cartesiana milícia enfileirada,
obediente filha da pauta?

Por que a poesia não pode ficar de quatro
e se agachar e se esgueirar
para gozar
– CARPE DIEM! –
fora da zona da página?

Por que a poesia de rabo preso
sem poder se operar
e, operada,
          polimórfica e perversa,
não poder travestir-se
           com os clitóris e balangandãs da lira?

domingo, 31 de julho de 2016

Lábios que beijei 61


Zemaria Pinto
Kelly



Branca de leite, volumosa de ancas e peitos, olhos amendoados moldados em breu sob a basta cabeleira negra, Kelly trabalhava num restaurante próximo ao banco, onde eu almoçava algumas vezes por semana. Observava de longe seu comportamento expansivo, sorridente, brincalhão. Um dia, perguntei-lhe por que comigo se fechava, séria. Disse que tinha medo de uma reação negativa, pois eu parecia estar sempre com raiva. A resposta saiu num estalo – mas eu não mordo, a não ser que você peça muito. Ela explodiu numa gargalhada, que ecoou estridente no pequeno salão. Casada, mãe de dois pequeninos, os encontros com Kelly exigiam uma logística complicada, antes do expediente – o marido a deixava e a buscava no trabalho, de sorte que, uma vez por semana, ela chegava mais cedo, não sei exatamente com qual desculpa, e dava uma escapulida a um hotel próximo, onde eu a aguardava. Kelly queixava-se que o marido só fazia papai-e-mamãe, pois, de resto, todo o repertório sensual era coisa de puta. Então, só para mim, Kelly vestia a fantasia de puta e, a cada encontro, parecia querer recuperar todo o tempo perdido. Gozava na minha boca – na boceta, no clitóris e no cu – e engolia meu sêmen com sofreguidão quando eu gozava em sua boca; tinha orgasmos múltiplos incontáveis, inclusive anais, e era mestra em inventar as posições mais bizarras. Só uma coisa era interdita: não podia mordê-la – sua pele excessivamente branca manchava com qualquer carinho mais forte. Uma vez, ela pediu-me que lhe desse um chupão na bunda. Dei-lhe dois, um de cada lado, que ficaram roxos. Mais tarde, ela me disse, com uma sonora gargalhada, haver passado uma semana sem mostrar a bunda ao marido, que, aliás, não deve ter sentido falta. Acompanhando o pundonoroso e militar marido, Kelly mudou-se para Fortaleza, mas antes fomos a um motel, na periferia, onde pela primeira vez ficamos mais de uma hora juntos; aliás, ficamos muitas horas, entre lágrimas, sussurros, gritos, gemidos, lambidas e chupões na bunda – e até mesmo na nuca. A voz vibrante de Kelly ainda ecoa, passados mais de 40 anos, nos vales desertos da minha solidão.       


(Para ler outros contos desta série, clique em Lábios que beijei)

sábado, 16 de julho de 2016

Aforismos poéticos – quer pica


Francisco Moniz Barreto (1804-1868)



A mulher, que do marido
Na ausência com tudo implica,
E nos pobres servos malha –
Por dá cá aquela palha –
Quer pica.

A donzela, que tem flatos,
E a todos diz que entisica,
E passa, lendo novelas,
Toda noite, ou nas janelas,
Quer pica.

Moça enferma, que – em remédios
Não tomar – teimosa embica,
Não quer outra medicina,
Quer cristel por onde urina,
Quer pica.

Virgem, que, dando em beata,
Só aos templos se dedica,
Não aspira à eterna glória;
Isso é impostura, é história;
Quer pica.

Noiva, que, assim que anoitece,
Pede o chá; e, mal debica,
Quebrando os olhos, se fila
Do noivo ao ombro, e cochila,
Quer pica.

A viúva, que seus males
A todos, chorando, indica,
A ver se alma piedosa
De novo, a de pronto, a esposa,
Quer pica.

Noviça, que se enfurece,
E como possessa fica,
Por não poder ir à grade
Nem falar c’o primo frade,
Que pica.

Abadessa, ainda fresca,
Que presentes de canjica
E milhos – por São João –
Manda ao padre capelão,
Quer pica.

Quando muito presenteia
Ao pobre a fidalga rica,
Não é por ser liberal,
Não senhores; não há tal;
Quer pica.

Todo homem quer dinheiro,
Todo caralho quer crica,
Toda criança quer mama,
Toda mulher para a cama
Quer pica.

domingo, 3 de julho de 2016

Aforismos poéticos – quer cono


Francisco Moniz Barreto (1804-1868)


Ministro que, vendo moças,
Despe o usual entono,
E quando as escadas desce,
Proteção ampla oferece,
Quer cono.

Potentado que ao pequeno
Afaga, e presta-lhe abono,
Ou que ver se votos pilha,
Ou da mulher, ou da filha,
Quer cono.

Galeno que a certas casas,
Que necessitam d’embono,
E onde há moças bonitas,
Faz, por esmola, visitas,
Quer cono.

Procurador que, de graça
É de viúva patrono,
Serviço não faz ao morto;
Navega para ouro porto;
Quer cono.

Usurário que, de dama
Bonita e bem feita ao dono
Visita, e, por fim, dinheiro
Dá-lhe sem prêmio, matreiro,
Quer cono.

Caixeiro que está na loja
Com requebros de fanchono,
E, do amo à revelia,
Às belas freguesas fia,
Quer cono.

Padre que mais recomenda,
Quando prega, o sexto e o nono,
Menos segue a lei sagrada;
De solteira, ou de casada
Quer cono.

Beato que, quando reza,
Faz visagens, como um mono,
Herói fino de marmotas,
Quer agradar as devotas;
Quer cono.

Jovem casado de fresco,
Que à noite sempre tem sono,
E os olhos nas horas fita,
Afugentando a visita,
Quer cono.

Poeta que ergue em seus cantos
À mulher altar e trono,
De alguma que tem presente,
Ou que traz na acesa mente,
Quer cono.



sábado, 18 de junho de 2016

O dia seguinte


Carvalho Junior (1855-1879)


Quando, pela manhã, contemplo-te abatida
Amortecido o olhar e a face descorada,
Imersa em languidez profunda, indefinida,
O lábio ressequido e a pálpebra azulada,

Relembro as impressões da noite consumida
Na lúbrica expansão, na febre alucinada,
Do gozo sensual, frenético, homicida,
Como a lâmina aguda e fria de uma espada.

E ao ver em derredor o grande desalinho
Das roupas pelo chão, dos móveis no caminho,
E o boudoir, enfim, do caos um fiel plágio,

Suponho-me um herói da velha Antiguidade,
Um marinheiro audaz após a tempestade, 
Tendo por pedestal os restos dum naufrágio!

sábado, 4 de junho de 2016

Pode apalpar, pode ver


Laurindo Rabelo (1826-1864)


MOTE

Pode apalpar, pode ver,
Das coxinhas pode usar,
Por fora quanto quiser,
Dentro não, que hei de gritar!


GLOSA

– Meu benzinho, que desgosto
Me está causando você;
Sua boquinha me dê,
Para mim volte o seu rosto.
– Eu consinto no seu gosto,
Porém não ha de meter,
E se deseja saber
Se ainda tenho cabaço,
Com todo o desembaraço
Pode apalpar, pode ver.

– Aqui está! Meta o dedinho
Na cavidade do centro;
Não me carregue pra dentro
Que me magoa o coninho;
Não esteja tão tristezinho
Por eu não me franquear;
Você me quer desonrar!
Olhe, eu lhe faço um partido,
Se é pra ser meu marido,
Das coxinhas pode usar.

 A coisa pode encostar
Por fora, não tenha susto;
E, se quer prazer mais justo,
Pode os peitinhos chupar.
Em tudo deixo pegar,
Mas só faça o que eu disser,
Pois se minha mãe souber
Que você... Ai! Ai! Que dor!
Ai!... Dentro não, meu amor!...
Por fora, quanto quiser!

– Já vai você, minha vida,
Sua coisinha metendo...
A pomba me está doendo...
Eu já me sinto ferida;
Não me queira ver perdida...
Vá pedir-me pra casar...
Meu Deus!... E ele a teimar...
Olhe que eu me vou embora...
Se quiser venha-se fora, 
Dentro não, que hei de gritar!

Voyeurs desde o Natal de 2009