Amigos da Alcova

domingo, 25 de março de 2012

Cântico

José Régio (1901-1969)



Num impudor de estátua ou de vencida,
coxas abertas, sem defesa... nua
ante a minha vigília, a noite, e a lua,
ela, agora, descansa, adormecida.

De seus mamilos roxo-azuis, em ferida,
meu olhar desce aonde o sexo estua.
Choro... e porquê? Meu sonho, irreal, flutua
Sobre funduras e confins da vida.

Minhas lágrimas caem-lhe nos peitos...,
enquanto o luar a nimba, inerte, gasta
Da ternura feroz do meu amplexo.

Cantam-me as veias poemas nunca feitos...
E eu pouso a boca, religiosa e casta,
Sobre a flor esmagada do seu sexo.

domingo, 18 de março de 2012

Cantiga de maldizer

João Garcia de Guilhade (século XIII)




Martim jogral, que defeita,

sempre convosco se deita

vossa mulher!



Vedes-me andar suspirando;

e vós deitado, gozando

vossa mulher!



Do meu mal não vos doeis;

morro eu e vós fodeis

vossa mulher!



Adaptação: Natália Correia


quinta-feira, 8 de março de 2012

Pedro Soriano ou a Torre de Babel ou A Porra do Soriano

Guerra Junqueiro (1850-1923)



Eu canto do Soriano o singular mangalho!
Empresa colossal! Ciclópico trabalho!
Para o cantar inteiro e o cantar bem
Precisava viver como Matusalém
Dez séculos!
Enfim, nesta pobreza métrica
Cantemos essa porra, porra quilométrica,
Donde pendem os colhões de que dão ideia vaga
As nádegas brutais do Arcebispo de Braga.

*

Sim, cantemos a porra, o caralho iracundo
Que, antes de nervo cru, já foi eixo do Mundo!
Mastro do leviatã! Eminência revel!
Estando murcho foi a Torre de Babel!
Caralho singular! É contemplá-lo!
É vê-lo
Teso! Atravessaria o quê?
O Sete-Estrelo!!
Em Tebas, em Paris, em Lagos, em Gomorra
Juro que ninguém viu tão formidável porra!
É uma porra, arquiporra!
É um caralhão atroz
Que se lhe podem dar trinta ou quarenta nós
E, ainda assim, fica o caralho preciso
Para foder, da Terra, Eva no Paraíso!

É uma porra infinita, é um caralho insonte
Que nas roscas outrora estrangulou Le Comte.

*

Oh, caralho imortal! Glória destes lusos!
Tu poderias suprir todos os parafusos
Que espremem com vigor os cachos do Alto Douro!
Onde há um abismo, onde há um sorvedouro
que assim possa conter esta porra do diabo??!
Marquês de Valadas em vão mostra o rabo,
Em vão mostra o fundo o pavoroso Oceano!
─ Nada, nada contém a porra do Soriano!!


*

Quando morrer, Senhor, que extraordinária cova,
Que bainha, meu Deus, para esta porra nova,
Esta porra infeliz, esta porra precita,
Judia errante atrás de uma crica infinita??
─ Uma fenda do globo, um sorvedouro ignoto
que lhe há de abrir talvez um dia um terremoto
para que deságue, esta porra medonha,
em grossos borbotões de clerical langonha!!!

*

A porra do Soriano é um infinito assunto!
Se ela está em Lisboa ou em Coimbra, pergunto?
Onde ela começa?
Onde é que termina
Essa porra, que estando em Braga, está na China,
Porra que corre mais que o próprio pensamento,
Porque é porra de pardal e porra de jumento??
Porra!
Mil vezes porra!
Porra de bruto
Que é capaz de foder o Cosmos num minuto!!!

sexta-feira, 2 de março de 2012

Omissão

João de Deus (1830-1896)



Uma noviça, jovem de talento
na arte do desenho e da pintura,
pede à madre abadessa do convento
o favor de lhe ver uma figura.

Era a imitação escrupulosa
de um menino em tamanho natural
que pertencia a soror Ana Rosa,
tido em conta de um belo original!

A soror costumava, por decência,
tê-lo com uma tanga pequenina
que lhe encobria aquela saliência
que distingue o menino da menina.

Mas uma tanga tão apropriada
no tecido e na cor que, na verdade,
a gente olhava e não lhe via nada
que desmentisse a naturalidade.

Era, pois, de esperar que a nossa artista,
assim como no mais, naquela parte
pintasse apenas o que tinha à vista
que é o preceito e o primor da arte.

Vê a madre abadessa a maravilha
e não se cansa de a louvar! Mas lança
a vista atenta àquele ponto: “Ai, filha,
que falta essencial!... Pobre criança!

Que pena! O colorido, que beleza!
pernas, braços e tudo, que perfeito!
mas confesso... Confesso com tristeza...
que enorme, que enormíssimo defeito!”

Voyeurs desde o Natal de 2009