Amigos da Alcova

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

É quase de manhã

Cândida Alves


É quase de manhã
ainda sinto teu cheiro
no meu travesseiro
levanto com raiva
pra lavar a cara
e escovar o cabelo
não dá pra esquecer
mil vezes te odeio
grito pra não enlouquecer
desgraçado, só quer me comer
mas quando chega a tarde
e o vazio me invade
ninguém telefona
além de você
tudo bem, “vamo vê”
mesmo papo, só cama
dessa vez pode ser
me arrumo e perfumo
pra esperar você
de agora em diante
eu que vou te comer

Ele sempre me fode

Cândida Alves


Ele chega e me olha
como se sentisse saudade
invade meu templo
explorando meu sentimento
me agarra, me beija na boca
e me fode
nos lábios explode o desejo
doutra carne que foge
de passagem me fala de amor
me inflama e me fode
de manhã finge que se acabou
acorda cansado, azedo
mas ainda me fode
acabando se manda
e não diz nem se volta
e definitivamente
me fode

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

De Catulo a Simão Pessoa – dois mil anos de poesia e escracho 1/5



Zemaria Pinto*


Catulo – A Lírica latina tem seus primeiros registros em meados do século I a.C.. Gaius Valerius Catullus (87-54 a.C.) é a expressão máxima daqueles a quem o azedo Cícero chamou desdenhosamente de “poetas novos”, jovens que preferiam as formas breves, preconizadas havia 300 anos pelos alexandrinos, às longas e invariavelmente chatas epopeias. Havia nos novos poetas romanos ecos de um tempo ainda mais distante: Safo, poeta grega, de Lesbos, século VII a.C, foi descarada e amorosamente copiada por Catulo, que a homenageou nomeando sua musa como Lésbia. A Lésbia, frívola e inconsequente – cujo nome real era Clódia –, Catulo dedicou a maioria dos 116 carmes legados à posteridade. Entre o amor avassalador e o ódio desmedido, o poeta sintetizou num dístico imortal o dilema trágico de sua inconstância:

                  Odeio e amo.Talvez perguntes por que faço isso.
                         Não sei, mas sinto que acontece e me torturo.                                                              (1)

Mas o lírico refinado – sobre quem Carpeaux afirmou ser “no primeiro século antes da nossa era, um poeta moderno” – é também o introdutor na cultura latina de uma linguagem sarcástica e ferina, no limiar do que os convencionais e puristas de todos os matizes e ocasiões chamariam simplesmente de chula. O Carme 32, por exemplo, é um convite de assustar qualquer mocinha casadoira:

                  Te peço, minha doce Ipsilila,
                  delícias minhas, graça, mimos meus,
                  ordena, que finda a sesta, eu te procure,
                  e caso ordenes, cogita tais cuidados:
                  despe de trava ou tranca a tua porta,
                  não te assaltem coceiras de sair.
                  Mas fica em casa, em raro preparo
                  de nove, gota a gota, nove fodas.
                  Se assim quiseres, pressa!, não hesites,
                  que eu, já almoçado, e farto à farta,
                  perfuro a um só tempo toga e túnica!                                                                                   (2)

Se Ipsilila despertava uma devastadora paixão priápica, o mesmo não se dá com Ameana:

                  Ameana, mulher super-usada,
                  me pediu a quantia de dez mil!
                  Uma mulher de nariz grotesco,
                  amante de um caipira sem dinheiro!
                  Parentes, que se preocupam com a moça,
                  chamem os amigos e os médicos:
                  a moça está doente. E nem precisa
                  perguntar o que é: ela delira!                                                                                                (3)

Nem a adorada Lésbia escapou da fúria de Catulo:

                  Ah! Célio, a nossa Lésbia, aquela Lésbia,
                  a própria Lésbia a quem Catulo amou
                  mais que a todos os seus, mais que a si próprio,
                  agora, nas encruzilhadas e nos becos,
                  esfola os netos do magnânimo Remo.                                                                                   (4)

Mas é para os amantes de Lésbia que Catulo guarda a maior dose de, digamos, maldade:

                  Imundo puteiro, e vocês, companheiros de putaria
                  (nona pilastra depois do templo dos irmãos de barrete),
                  pensam que só vocês têm colhões,
                  podem comer tudo quanto é moça
                  e que os outros não passam de bodes?
                  (...) Pois a minha menina, que fugiu de meus braços,
                  amada tanto quanto nenhuma será amada,
                  pela qual travei tantas batalhas,
                  senta-se aí, com vocês.
                  Com ela, vocês todos, nobres e ricos,
                  fazem amor e, contudo, o que é uma indignidade,
                  são todos mesquinhos e depravados da sarjeta (...)                                                             (5)

Ao ex-amigo Gélio, que ousou cobiçar (só?) a amada, Catulo lança imprecações terríveis:

                  Gélio é esguio, como não seria?: tem ele mãe tão boa
                  e tão robusta, e tão encantadora irmã,
                  e tão bom tio, e tão completa abundância de jovens
                  parentas... Como poderia ele deixar de ser magro?                                                             (6)

Ou:

                  Que faz o homem, Gélio, que com sua mãe e sua irmã
                  satisfaz seus desejos e, sem roupa, passa a noite inteira?
                  Que faz o homem que não deixa o tio ser marido?
                  Por acaso sabes que grande infâmia comete?
                  Comete, ó Gélio, qual nem a extrema Tétis
                  nem o Oceano, pai das ninfas, pode lavar;
                  pois nenhuma outra infâmia pode ir mais além
                  mesmo se ele, com a cabeça abaixada, chupasse a si mesmo.                                             (7)


Traduções:

(1), (5), (6), (7): Paulo Sérgio de Vasconcelos
(2), (4): Luiz António de Figueiredo e Ênio Aloísio Fonda
(3): Zélia de Almeida Cardoso

(*) Escrito e publicado em 1993, em forma de plaqueta.


Herma dedicada a Catulo.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Crônica familiar

Nei Leandro de Castro


Havia o marido e sua mulher.
Ela, Maria. O homem, José.

Maria, mais jovem, era de prendas
domésticas. Fazia rendas

e sob as agulhas guardava um segredo
que mesmo sonhá-lo causava-lhe medo.

Maria era jovem e tinha tesão.
O homem, mais velho, não tinha não.

Maria sonhava com falos suaves
ocultos em plumas, como o das aves.

José carpintava e de noite, cansado,
beijava-lhe o rosto, virava pro lado.

Na varanda da casa, José com a enxó
trabalhava um carvalho. Maria era só

desejo incontido, desejos impuros
(foder com um bruto, de pé, contra o muro).

Maria benzia-se, afastando da mente
o pecado mortal e inconsequente.

José labutava sobre a madeira.
Estava fazendo uma nova cadeira

para encostar o corpo reumático
nas noites em claro de homem asmático.

Um pombo azul, recendendo a lavanda,
pousou bem de leve naquela varanda.

Maria abismou-se na sua beleza,
a força selvagem sob a leveza

das plumas azuis. O rolo de lã
caiu do seu colo nessa manhã.

De pernas abertas, Maria sentiu
um leve arrepio de febre e de frio.

Sentiu que o pombo lhe penetrava
e vezes seguidas ejaculava

um sêmen translúcido nas suas entranhas.
E veio o gozo, com força tamanha,

que Maria se viu levitando além
das nuvens, do céu, do horizonte. E sem

perceber que José estava por perto,
deu um grito de gozo, de peito aberto.

José suspendeu o serrote no ar.
O pombo sumiu. Maria, ao voltar

a si, se compôs, arrumou o vestido
e olhou com ternura para o marido.

Ainda sentindo os mamilos em riste,
perguntou a José: por que estás triste?

A Vaselina

Apollinaire (1880-1918)


Praça da Ópera: por uma farmácia a dentro

Entra um senhor bem-posto feito um pé-de-vento:

“Estou com pressa”, diz. “Eu quero vaselina.”

Gentil, o boticário indaga do cliente

           Impaciente

      A que uso se destina

      O graxo ingrediente:

“Se for para o rosto, é melhor levar da fina...

           Qual?

           Que tal

                Este artigo

       Que o senhor, sem perigo,

            Pode no rosto usar?

Eu por mim recomendo sempre a boricada.”

E o cliente, a bufar: “Mas que papagaiada!

Pouco me importa qual, pois é para enrabar!”


(Trad. José Paulo Paes)

Sonetos Luxuriosos – 11

Aretino (1492-1556)



Para provar tão célebre caralho,
Que me derruba as orlas já da cona,
Quisera transformar-me toda em cona,
Mas queria que fosses só caralho.

Se eu fosse toda cona e tu caralho,
Saciaria de vez a minha cona,
E tiraria tu também da cona
Todo prazer que ali busque o caralho.

Mas não podendo eu ser somente cona,
Nem inteiro fazeres-te caralho,
Recebe o bem querer da minha cona.

E vós tomai, do não assaz caralho,
O ânimo pronto; baixai a vossa cona,
Enquanto enfio fundo o meu caralho.

                           Depois, sobre o caralho
Abandonai-vos toda com a cona,
Que caralho eu serei, vós sereis cona.


(Trad. José Paulo Paes)

domingo, 27 de dezembro de 2009

Boris Vallejo.

Amor – pois que é palavra essencial

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)


Amor – pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.

Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma a expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o clímax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas.
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.

Bundamel bundalis bundacor bundamor

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)


Bundamel bundalis bundacor bundamor
bundalei bundalor bundanil bundapão
bunda de mil versões, pluribunda unibunda
                     bunda em flor, bunda em al
                     bunda lunar e sol
                     bundarrabil

Bunda maga e plural, bunda além do irreal
arquibunda selada em pauta de hermetismo
                     opalescente bun
                     incandescente bun
meigo favo escondido em tufos tenebrosos
a que não chega o enxofre da lascívia
e onde
a global palidez de zonas hiperbóreas
concentra a música incessante
do girabundo cósmico.

Bundaril bundilim bunda mais do que bunda
Bunda mutante/renovante
que ao número acrescenta uma nova harmonia.
Vai seguindo e cantando e envolvendo de espasmo
o arco de triunfo, a ponte de suspiros
a torre de suicídio, a morte do Arpoador
                    bunditálix, bundífoda
bundamor bundamor bundamor bundamor.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Necessidades forçosas da natureza humana

Gregório de Matos (1633?-1696)



Descarto-me da tronga, que me chupa,
Corro por um conchego todo o mapa,
O ar da feia me arrebata a capa,
O gadanho da limpa até a garupa.

Busco uma freira, que me desentupa
A via, que o desuso às vezes tapa,
Topo-a, topando-a todo o bolo rapa,
Que as cartas lhe dão sempre com chalupa.

Que hei de fazer, se sou de boa cepa,
E na hora de ver repleta a tripa,
Darei por quem mo vase toda Europa?

Amigo, quem se alimpa da carepa,
Ou sofre uma muchacha, que o dissipa,
Ou faz da sua mão sua cachopa.


Tronga: prostituta.
Gadanho: unha.
Garupa: anca.
Chalupa: sorte.
Alimpa da carepa: expressão que designa o ato sexual.

Epitáfio

Bocage (1765-1805)


Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi gratia – o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

Não quero funeral comunidade,
Que engrole sub venites em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade;

Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:

“Aqui dorme Bocage, o putanheiro:
Passou vida folgada e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro.”

A Manteigui

Bocage (1765-1805)

(Poema em um só canto)

Argumento


Da grande Manteigui, puta rafada,
Se descreve a brutal incontinência;
Do cafre infame a porra desmarcada,
Do cornígero esposo a paciência;
Como à força de tanta caralhada
Perdendo o negro a rígida potência,
Foge da puta, que sem alma fica,
Dando mil berros por amor da pica.


I


Canto a Beleza, canto a putaria
De um corpo tão gentil como profano;
Corpo que, a ser preciso, engoliria
Pelo vaso os martelos de Vulcano;
Corpo vil, que trabalha mais num dia
Do que Martinho trabalhou num ano;
E que atura as chumbadas e pelouros
De cafres, brancos, maratás e mouros.


II


Vênus, a mais formosa entre as deidades,
Mais lasciva também que todas elas,
Tu, que vinhas de Tróia às soledades
Dar a Anquises as mamas e as canelas,
Que gramaste do pai das divindades
Mais de seiscentas mil fornicadelas;
E matando uma vez a crica a sede,
Foste pilhada na vulcânica rede:


III


Dirige a minha voz, meu canto inspira,
Que vou cantar de ti, se a Jacques canto;
Tendo um corno na mão em vez de lira,
Para livrar-me do mortal quebranto.
Tua virtude em Manteigui respira,
Com graça, qual tu tens, motiva encanto;
E bem pode entre vós haver disputa,
Sobre qual é mais bela, ou qual mais puta.


IV


No cambaico Damão, que, escangalhado,
Mamenta a decadência portuguesa,
Este novo Ganós foi procriado,
Peste d’Ásia em luxúria e gentileza.
Que ermitão de cilícios macerado
Pode ver-lhe o carão sem porra tesa?
Quem chapeleta não terá de mono,
Se tudo que ali vê é tudo cono?


V


Seus meigos olhos, que a foder ensinam,
Té nos dedos dos pés tesões acendem:
As mamas, onde as Graças se reclinam,
Por mais alvas que os véus os véus ofendem:
As doces partes, que os desejos minam,
Aos olhos poucas vezes se defendem;
E os Amores, de amor por ela ardendo,
As piças pelas mãos lhes vão metendo.


VI


Seus cristalinos, deleitosos braços,
Sempre abertos estão, não para amantes,
Mas para aqueles só, que, nada escassos,
Cofres lhe atulham de metais brilhantes.
As níveas plantas, quando move os passos,
Vão pisando os tesões dos circunstantes;
E quando em ledo som de amores canta,
Faz-lhe a porra o compasso co’a garganta.


VII


Mas para castigar-lhes a vil cobiça,
O vingativo Amor, como agravado,
Fogo infernal no coração lhe atiça
Por sórdido cafre asselvajado:
Tendo-lhe visto a tórrida linguiça
Mais extensa que os canos dum telhado,
Louca de comichões, a indigna dama
Salta nele, convida-o para a cama.


VIII


Eis o bruto se coça de contente;
Vermelha febre sobe-lhe ao miolo;
Agarra na senhora, impaciente
De erguer-lhe as fraldas, e provar-lhe o bolo.
Estira-a sobre o leito, e, de repente,
Quer do pano sacar o atroz mampolo,
Porém não necessita arrear cabos:
Lá vai o langotim com mil diabos.


IX


Levanta a tromba o ríspido elefante,
A tromba, costumada a tais batalhas,
E apontando ao buraco palpitante,
Bate ali qual ariete nas muralhas:
Ela enganchando as pernas delirante,
“Meu negrinho (lhe diz) quão bem trabalhas!
Não há porra melhor em todo o mundo!
Mete mais, mete mais, que não tem fundo.”


X


“Ah! Se eu soubera (continua o couro
Em torrentes de sêmen já nadando)
Se eu soubera que havia este tesouro,
Há que tempos me estava regalando!
Nem fidalguia, nem poder, nem ouro
Meu duro coração faria brando;
Lavara o cu, lavara o passarinho,
Mas só para foder co’o meu negrinho.”


XI


“Mete mais, mete mais... Ah Dom Fulano!
Se o tivesses assim, de graça o tinhas!
Não viveras em um perpétuo engano,
Pois vir-me-ia também quando te vinhas.
Mete mais, meu negrinho; anda, magano.
Chupa-me a língua, mexe nas maminhas...
Morro de amor, desfaço-me em langonha...
Anda, não tenhas susto, nem vergonha...”


XII


“Há quem fuja da carne, há quem não morra
por tão belo e dulcíssimo trabalho?
Há quem tenha outra ideia, há quem discorra
Em cousa, que não seja de mangalho?
Tudo entre as mãos se me converta em porra,
Quanto vejo transforme-se em caralho:
Porra e mais porra, no verão e no inverno,
Porra até nas profundas do inferno!...”


XIII



“Mete mais, mete mais” (ia dizendo
A marafona ao bruto, que suava,
E convulso fazia estrondo horrendo
Pelo rústico som com que fungava):
“Mete mais, mete mais, que eu estou morrendo!...”
“Mim não tem mais!” O negro lhe tornava;
E triste exclama a bêbada fodida:
“Não há gosto perfeito nesta vida!”


XIV


Neste comenos, o cornaz marido,
O bode racional, veado humano,
Entrava pela câmara atrevido,
Como se entrasse num lugar profano;
Mas vendo o preto em jogos de Cupido,
Eis sai logo, dizendo: “Arre, magano!
Na minha cama! Estou como uma brasa!
Mas, bagatela, tudo fica em casa.”


XV


A foda começada ao meio-dia,
Teve limite pelas seis da tarde;
Veio saltando a ninfa de alegria,
E da sórdida ação fazendo alarde.
O bom consorte, que risonha a via,
Lhe diz: “Estás corada! O Céu te guarde;
Bem boa alpista ao pássaro te coube!
Ora dize, menina, a que te soube?”


XVI


“Cale-se, tolo” (a puta descarada
Grita num tom raivoso e lhe rezinga).
O rei dos cornos a cerviz pesada
Entre os ombros encolhe, e não respinga;
E o courão, da pergunta confiada,
Outra vez com o cafre, e mil se vinga,
Até que ele, faltando-lhe a semente,
Tira-lhe a mama e foge de repente.


XVII


Deserta por temor de esfalfamento,
Deserta por temer que o couro o mate;
Ela então de suspiros enche o vento,
E faz alvorotar todo o Surrate.
Vão procurá-lo de cipais um cento;
Trouxeram-lhe a cavalo o tal saguate:
Ela o vai receber, e o grão Nababo
Pasmou disto, e quis ver este diabo.


XVIII


Pouco tempo aturou de novo em casa
O cão, querendo logo a pele forra,
Pois a puta, co’a crica toda em brasa,
Nem queria comer, só qu'ria porra.
Voou-lhe, qual falcão batendo a asa,
E o courão, sem achar quem a socorra,
Em lágrimas banhadas, acesa em fúria,
Suspira de saudade e de luxúria.


XIX


Courões das quatro partes do universo,
De gálico voraz envenenados!
Se deste canto meu, deste acre verso
Ouvirdes por ventura os duros brados:
Em bando marcial, coro perverso,
Vinde ver um cação dos mais pescados,
Vinde cingir-lhe os louros, e, devotos,
Beijar-lhe as aras, pendurar-lhe os votos.


Courão: prostituta.
Cação: prostituta.
Crica: vagina.
Gálico: referente à sífilis.
Langonha: esperma.
Magano: folgazão, malandro.
Piça: pênis.
Porra: pênis; Bocage usa a palavra sempre com esse sentido, jamais com o de esperma.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A origem do mundo

Gustave Courbet (1819-1877), Museu de Orsay, Paris.

Voyeurs desde o Natal de 2009