Amigos da Alcova

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Pecado antigo

Cacilda Barbosa


No céu o vento corria
Criando fúlgidas imagens
E no ouvido do tempo falava
Loucas libidinagens,
A língua da lua lambia
As curvas azuis do infinito
As estrelas se apertavam
Em cio de luz maldito
Em loucuras de castigo
No pecado mais antigo
De sexo, amor carnal
Eterno, divino, paradoxal

A lua sou eu
Tu és meu vento a soprar
Loucos tremendos desejos
Em meu corpo eterno
Insatisfeito a gozar.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O amor das fêmeas

Xavier de Carvalho (1862-1919)



Amavam-se. E que longo amor tinham as duas,
quando no leito, a sós, ambas se viam nuas,
ao romper da manhã!...

Os corpos brancos de uma alvura de nevoeiro,
apetitosos como os frutos em janeiro
e os seios num contorno iriente de romã...

Enlaçavam depois os corpos. Boca a boca,
trocavam docemente os mais vermelhos beijos,
numa febre de amor, numa ternura louca,
entre gritos do sangue e ardências dos desejos.

Noites brancas! Na sede ardentíssima do gozo,
que frêmitos! Da carne o insaciado ardor
rói o sexo que explui, a crepitar, furioso,

injetado de amor...

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Soneto

Abade de Jazente (1720-1789)



Piolhos cria o cabelo mais dourado;
branca remela o olho mais vistoso;
pelo nariz do rosto mais formoso
o monco se divisa pendurado:

Pela boca do rosto mais corado
hálito sai, ás vezes bem ascoroso;
a mais nevada mão sempre é formoso
que de sua dona o cu tenho tocado:

Ao pé dele a melhor natura mora,
que deitando no mês podre gordura,
fétido mijo lança a qualquer hora:

Caga o cu mais alvo merda pura;
Pois se é isto o que tanto se namora,
Em ti mijo, em ti cago, oh formosura!

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A Pátria

Guerra Junqueiro (1850-1923)


Cena XVI




O espectro de D. João V, velho, asqueroso, idiota, meio paralítico.
Tartamudeia desconexamente, embrulha a ladainha com a Martinhada,
engole uma hóstia santa, depois uma pastilha afrodisíaca,
geme, chora, dá um arroto, baba-se e desaparece.

               O DOIDO, na escuridão

Mora num convento, com onze mil freiras,
um bode doirado, chamado Sultão:
são moças as monjas, loiras ou trigueiras,
e o bode frascário como um garanhão.
Ao dar meia-noite, com fúria insensata,
na torre da igreja dobra o carrilhão;
martelam os sinos badalos de prata,
de imunda, de horrível configuração!...
Milheiros de luzes, brandões macerados
tremulam no templo.. Que imenso clarão!
Faíscam diamantes, lampejam brocados,
incenso da Arábia voa em turbilhão!
Os santos e as santas, alfaias e altares,
é tudo oiro virgem, que cintilação!
Crepitam os fogos de gemas solares,
topázios da Pérsia, rubis do Industão.
Debaixo dum pálio de lhama purpúrea
levanta-se um leito rútilo e pagão:
o leito do bode, Senhor da Luxúria,
com mais pedrarias que o de Salomão.
Já o órgão reboa, frementes e nuas,
as onze mil monjas vêm em procissão...
Os olhos de chama, traseiros de luas,
rezando palavras de abominação!...
Mitra coruscando, sedas fulgurosas,
a cruz sobre o peito, báculo na mão,
conduz a teoria das monjas ansiosas
um bispo castrado, que é seu guardião.
O bode rebrame no leito de pluma...
acercam-se as freiras... e o bispo capão
entrega-as ao bode, dá-lhas uma a uma,
com ar de respeito, com veneração...
São onze mil noivas, são onze mil bodas...
Formidavelmente gira o carrilhão...
E o monstro lascivo padreia-as todas,
num delirium tremens de fornicação!
Depois de execrando, bruto cavadoiro,
o bode, desfeito de devassidão,
toma um semicúpio numa concha de oiro,
em água benzida pelo capelão.
E, sinos calados, extintas as luzes,
entregues as freiras ao seu guardião,
persigna-se o bode, fazendo três cruzes,
e em paz adormece como bom cristão.
E ao cabo duns meses, final de tais contos,
as monjas nas celas, com toda a razão,
parem arcebispos, mitrados e prontos,
exemplo mui alto de grã devoção!...

Voyeurs desde o Natal de 2009