Amigos da Alcova

domingo, 20 de agosto de 2017

O jardim das delícias



Roberto Piva (1937-2010)


Teu sopro no corrimão anatômico sobre meus olhos
aquelas serpente com escamas de cicuta sacudida entre
tuas coxas de megatons
É um meio seguro de não mais aconchegar a mais serena
catástrofe
como um espelho de vingança acordado por um bater
de asas
& um piano que rola até o limite de doces raízes
onde se completam as cachoeiras das trepanações
TEUS OLHOS SÃO GRITOS DEMASIADO REDONDOS
Meu circuito de trincheiras pela mesma razão de ninho
de águia
tempo em que os 12 andares do sexo correm persianas
de galalite
relâmpagos do mesmo líquen magnético de tua boca
de quinze anos
quando não vais à escola para assistires Flash Gordon
& ler Oto Rank nas esquinas
o mundo continua sendo um breve colapso logo que as
pálpebras baixem
& meu amor por ti uma profanação consciente de eternas
estrelas de rapina


sábado, 5 de agosto de 2017

Episódio sentimental


Pedro Nava (1903-1984)


No terreiro tinha o mamoeiro só.
Na casa tinha a moça só
E a moça era minha namorada...

A moça cantava
de dia e de noite.
Às vezes dançava.

Se os mamões eram verdes,
ela era verde.
Se os mamões eram amarelos,
ela era amarela.
Mas eu cogitava nos seios da moça...
Seriam tetas? Seriam mamões?
Estariam verdes? Estariam maduros?

Chegavam pássaros,
bicavam os mamões:
se estavam verdes, esguichavam leite
se estavam maduros, corria açúcar.
E nos seios da moça
ai! ninguém bicava...
Um era amarelo: teria açúcar?
um era verde: teria leite?
O mamoeiro crescia,
a moça crescia,
meu amor crescia,
a moça dançava
e os seios subiam,
eu namorava
e os mamões caíam...

Os pássaros vinham,
os dias fugiam...

Ela dançou tanto que os seios caíram...
Seriam seios? Seriam mamões?

Depois o Bicho Urucutum comeu o mamoeiro...
Comeu de mansinho
o tronco e raízes,
os mamões e as tetas.
O Bicho Urucutum era enorme e vagaroso!

Ela nunca mais dançou
eu nunca mais olhei,
nosso amor se acabou.

Voyeurs desde o Natal de 2009