D.
Feliciana a D. Anna de Moura
Dona Feliciana de Milão (1629-1705)
De ser
ditosa se enfada
Quem ditas
próprias apura;
Que examinar
a ventura
É diligencia
arriscada,
Agora, por
declarada,
Ficais,
madre, escurecida;
Deixais de
ser conhecida
Agora que
vos mostrais;
E mais
ignorante estais
Depois que
estais escondida.
Pesai-vos,
primeiro, mana,
E vireis a
achar depois
Que, Anna,
mui pesada sois,
Porque sois
mui leviana.
Por favor
vos desengana
Quem vos
culpa a presunção.
Mal pôde
haver afeição
Onde não há
semelhante;
Pois para
amor tão gigante
É vosso amor
muito anão.
Sois Loba, e
parece mal,
Por não ser
coisa que quadre,
Que queira a
Loba de um padre
Parecer opa
real!
Moura sois,
e, como tal,
É justo que
em vosso amor
Sofrais
qualquer dissabor
Se toma tanta
licença;
Que vai
muita diferença
De uma moura
a seu senhor.
Mais que
louco atrevimento
É disparate
cantado
Avaliar por
cuidado
O que é só
divertimento,
Neste vosso
pensamento
Julga o
prudente varão
Que é
ridícula ambição
Esperar
vossa franqueza;
Já que o
Lobo vos despreza
que vos
estime o Leão.
Suspendei
vossa carreira,
Pobre barca
de pescar;
Que ides meter-vos
ao mar
Saído de uma
Ribeira.
Não vos
engolfeis ligeira,
Pois tendes
já descoberto
Que está
posta em tal aperto
E em tal perigo
estás posta
Que se não
derdes à costa,
Dar nos
cachopos é certo.
Mas destas
águas àquelas
Não vedes
vós quanto dista?
E não pode
ser bem-vista
Quem anda às
apalpadelas?
Recolhei as
fracas velas
Porque ides
mui enganada;
Erraste, por
confiada;
Donde podeis
entender
Que, errando
e sendo mulher,
Ficais por
mulher errada.
(Conclusão)