Amigos da Alcova

segunda-feira, 31 de maio de 2010

O homem mais a mulher

Gregório de Matos (1633-1696)
MOTE

O cono é fortaleza,
O caralho é capitão,
Os colhões são bombardeiros,
O pentelho é o murrão.

O homem mais a mulher
Guerra entre si publicaram,
Porque depois que pecaram,
Um a outro se malquer:
E como é de fraco ser
A mulher por natureza,
Por sair bem desta empresa,
Disse que donde em rigor
O caralho é batedor,
O cono é fortaleza.

Neste forte recolhidos
Há mil soldados armados
À custa de amor soldados,
E à força de amor rendidos:
Soldados tão escolhidos,
Que o General disse então,
De membros de opinião,
Que assistem com tanto abono
Na fortaleza do cono,
O caralho é capitão.

Aquartelaram-se então
Com seu capitão caralho
Todos no quartel do alho,
Guarita do cricalhão:
E porque na ocasião
Haviam de ir por primeiros,
Além dos arcabuzeiros
Os bombardeiros, se disse,
Do que serve esta parvoíce?
Os colhões são bombardeiros.

Marchando por um atalho
Este exército das picas,
Toda a campanha das cricas
Se descobriu de um carvalho:
Quando o capitão caralho
Mandou disparar então
Ao bombardeiro colhão,
Que se achou sem bota-fogo,
Porém gritou-se-lhe logo,
O pentelho é o murrão.

domingo, 30 de maio de 2010

Ninfa

Clara Nihil


o meu desejo é u’a manada

de búfalos selvagens abalando

à superfície d’água

quinta-feira, 27 de maio de 2010

As armas do meu homem

Angelica de Lis (1984-2009)


Te sentir dentro de mim
membro e dedos
me provoca turbulências
instabilidades incontinências
e estremece-me e calafria-me
depois de passadas horas
(o meu corpo repousado
de gozosa dupla foda)

teus dedos galopando minha vulva
teus dedos explorando meus desertos
teus dedos minhas minas
teus dedos minhas fontes
teus dedos minhas pntes

teu membro docemente traiçoeiro
estocadas de dor – fogo e gelo
teu membro
submetendo-me
teu membro
arrebatando-me
teu membro
arremessando-me
teu membro escravo meu senhor de mim

Como eu te amo meu amor!
(Mas amo ainda mais teu pau
e teus dedos em fúria
– todos dentro de mim!)

terça-feira, 25 de maio de 2010

A rainha careca

Hilda Hilst (1930-2004)



De cabeleira farta
De rígidas ombreiras
De elegante beca
Ula era casta
Porque de passarinha
Era careca.
À noite alisava
O monte lisinho
Co’a lupa procurava
Um tênue fiozinho
Que há tempos avistara.
Ó céus! Exclamava.
Por que me fizeram
Tão farta de cabelos
Tão careca nos meios?
E chorava.
Um dia...
Passou pelo reino
Um biscate peludo
Vendendo venenos.
(Uma gota aguda
Pode ser remédio
Pra uma passarinha
De rainha.)
Convocado ao palácio
Ula fez com que entrasse
No seu quarto.
Não tema, cavalheiro,
Disse-lhe a rainha
Quero apenas pentelhos
Pra minha passarinha.
Ó Senhora! O biscate exclamou.
É pra agora!
E arrancou do próprio peito
Os pelos
E com saliva de ósculos
Colou-os
Concomitante penetrando-lhe os meios.
UI!UI!UI! gemeu Ula
De felicidade.
Cabeluda ou não
Rainha ou prostituta
Hei de ficar contigo
A vida toda!
Evidente que aos poucos
Despregou-se o tufo todo.
Mas isso o que importa?
Feliz, mui contentinha
A Rainha Ula já não chora.

Moral da estória:
se o problema é relevante,
apela pro primeiro passante.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Exaltação

Eno Theodoro Wanke (1929-2001)



Eu quero teu corpinho de veludo!
Ah, quero acariciar-te, enlouquecer
-te a carne, até que veja no teu ser
a dádiva, o convite, o gesto mudo...

Rasgar o teu vestido, arrancar tudo!
Deitar-te nua e branca... – E me deter
um pouco, prelibando o meu prazer
ao saborear teu beijo bom, polpudo...

E penetrar-te comovidamente,
sentir teu corpo morno, nu e fremente,
dobrar todo em meus braços, com meneios

de fêmea voluptuosa... Sim! Gozar!
Sorver num beijo lúbrico, o manjar
das pequeninas taças dos teus seios...

terça-feira, 18 de maio de 2010

Carmina Burana – CLXXXV

(Autor desconhecido)


Moça alegre, eu vivia,
uma virgem em flor,
toda gente me sorria,
me levava em andor.
– Ai, que dor,
   ó tílias malfadadas,
   à beira da senda alinhadas.

Ia passear no prado
e flores ajuntar,
chegou um rapaz malvado
pra me deflorar.
– Ai, que dor...
   ó tílias malfadadas,
   à beira da senda alinhadas.

Minha branca mão tomou
inocentemente,
ao verde prado me levou
maliciosamente.
– Ai, que dor!...
   ó tílias malfadadas,
   à beira da senda alinhadas.

A alva roupa segurou,
indecentemente,
pela mão me arrastou,
violentamente.
– Ai, que dor...

Disse: “Mulher, venha comigo,
na mata estamos seguros.”
– triste senda, te maldigo –
chorei nestes apuros.
– Ai, que dor...

“Existem ali tílias formosas
à beira das estradas,
minh’harpa e lira maviosas
ali estão guardadas.”
– Ai, que dor...

Quando nas tílias chegou,
disse: “Descansemos...”
– Vênus dele se apoderou –
“agora juntos brinquemos.”
– Ai, que dor...

Meu alvo corpo ele agarrou,
de medo estava louca,
“Faço-te mulher” falou
“doce é tua boca!”
– Ai, que dor...

Minha camisa ele arrancou,
fiquei toda despida,
em meu castelo penetrou
de espada erguida.
– Ai, que dor!...

Com a flecha fez pontaria
no alvo atirou!
comigo fez patifaria.
“O jogo acabou!”
– Ai, que dor...


(Trad. Maurice van Woensel)

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Bandalhismo

Aldir Blanc



Meu coração tem botequins imundos,
Antros de ronda, vinte-e-um, porrinha,
Onde trêmulas mãos de vagabundos
Batucam samba-enredo na caixinha.

Perdigoto, cascata, tosse, escarro,
Um choro soluçante que não para,
Piada suja, bofetão na cara
E essa vontade de soltar um barro...

Como os pobres otários da Central
Já vomitei sem lenço e sonrisal
O PF de rabada com agrião...

Mais amarelo do que arroz-de-forno,
Voltei pro lar, e em plena dor de corno
Quebrei o vídeo da televisão.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O conto da cigana

Claufe Rodrigues (aliás, Baby the Bylly)



A cigana pegou minha mão
aí eu pensei comigo:
“Ela vai ler o meu destino”
Mas a cigana desabotoou o vestido
roçou a trança na minha cara
e enfiou a língua no meu ouvido
... Aí eu pensei comigo:

“Agora ela vai ler o meu destino”
Mas a cigana fez um beicinho
e me lambeu como se ela fosse uma gata
e eu fosse um passarinho
meio perdido na mata

... Aí eu pensei comigo:
“Agora ela vai ler o meu destino”
Mas a cigana me beijou na boca
começou a tirar minha roupa
e fez assim com o dedo na minha mão...

... Aí eu pensei comigo:
“Agora ela vai ler o meu destino”
Mas a cigana me acendeu com um fogo brando
se enroscou entre as minhas pernas
e eu senti o ventre dela
latejando, latejando...

... Aí eu pensei comigo:

sábado, 8 de maio de 2010

Visão de São Paulo à noite

Poema Antropófago sob Narcótico

Roberto Piva



Na esquina da rua São Luís uma procissão de mil pessoas
          acende velas no meu crânio
há místicos falando bobagens ao coração das viúvas
e um silêncio de estrela partindo em vagão de luxo
fogo azul de gim e tapete colorindo a noite, amantes
          chupando-se como raízes

Maldoror em taças de maré alta
na rua São Luís o meu coração mastiga um trecho da minha vida
a cidade com chaminés crescendo, anjos engraxates com sua gíria
          feroz na plena alegria das praças, meninas esfarrapadas
          definitivamente fantásticas
há uma floresta de cobras verdes nos olhos do meu amigo
a lua não se apoia em nada
eu não me apoio em nada

sou ponte de granito sobre rodas de garagens subalternas
teorias simples fervem minha mente enlouquecida
há bancos verdes aplicados no corpo das praças
há um sino que não toca
há anjos de Rilke dando o cu nos mictórios
reino-vertigem glorificado
espectros vibrando espasmos

beijos ecoando numa abóbada de reflexos
torneiras tossindo, locomotivas uivando, adolescentes roucos
          enlouquecidos na primeira infância
os malandros jogam ioiô na porta do Abismo
eu vejo Brama sentado em flor de lótus
Cristo roubando a caixa dos milagres
Chet Baker ganindo na vitrola

eu sinto o choque de todos os fios saindo pelas portas
          partidas do meu cérebro
eu vejo putos putas patacos torres chumbo chapas chopes
          vitrinas homens mulheres pederastas e crianças cruzam-se e
          abrem-se em mim como lua gás rua árvores lua medrosos repuxos
          colisão na ponte cego dormindo na vitrina do horror
disparo-me como uma tômbola
a cabeça afundando-me na garganta

chove sobre mim a minha vida inteira, sufoco ardo flutuo-me
nas tripas, meu amor, eu carrego teu grito como um tesouro afundado
quisera derramar sobre ti todo meu epiciclo de centopeias libertas
ânsia fúria de janelas olhos bocas abertas, torvelins de vergonha,
          correrias de maconha em piqueniques flutuantes
vespas passeando em voltas das minhas ânsias
meninos abandonados nus nas esquinas
angélicos vagabundos gritando entre as lojas e os templos
          entre a solidão e o sangue, entre as colisões, o parto
          e o Estrondo

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Fofoca

Cândida Alves




Casos com os chefes

já me arranjaram vários.

Foda é que nenhum deles

aumentou o meu salário!

terça-feira, 4 de maio de 2010

Captus est Libidine

Lúcia Nobre




Aqua

Benedicta

Unctione

Cabelos

Olhos

Narinas

Boca

Dorso

Mamilos

Ventre

Umbigo

Clitóris

Vagina

Abençoa

Me

Orgamos

In

Extremis

domingo, 2 de maio de 2010

Os segredos do caralho

Laurindo Rabelo (1826-1864)


Mote

Os segredos do caralho
Ninguém os pode entender;
Alegre quando tem fome,
Triste depois de comer!


Glosa


De pedreiro oficial
Contratou um casamento,
E guardava (oh! que portento!)
Um estado virginal.
Em a véspera nupcial
Acabou o seu trabalho,
E, à sombra de um carvalho,
Disse, vendo a terna irmã:
– Eu vou saber amanhã
Os segredos do caralho.

Passando a noite ditosa
Desse prazer tão completo,
Que, para o tal arquiteto,
Tinha sido deleitosa,
Deixa um pouco a terna esposa,
Vai da irmã à casa ter;
E, ao vi-lo receber,
Diz-lhe ele baixo à orelha:
– Mana, segredos d'abelha
Ninguém os pode entender.

– É verdade, lhe replica
A irmã, que a foder é destra;
Nem com ser abelha-mestra
Sei os segredos da pica...
Não viste tu como fica
Antes e depois que come?
É uma cousa sem nome!...
Nota bem que não gracejo;
É só o bicho que vejo
Alegre, quando tem fome!

– Reparei, irmã querida,
E fez-me grande impressão
Vir-lhe aquela indigestão
Logo depois da comida!
Cansado da dura lida
Parece que vai morrer;
Embalde tenta se erguer
Porque a fraqueza o tolhe,
E entre os colhões se recolhe,
Triste depois de comer!

Voyeurs desde o Natal de 2009