Amigos da Alcova

domingo, 14 de abril de 2024

Vadiagem

 

Marta Cortezão

 

Ó meu amor a tua língua

prende

aquilo que desprende da loucura

(Maria Teresa Horta)

 

a cidade nua se abre

aos meus olhos

se mostra lúdica

oferecendo-se ao prazer

 

a cidade me deslumbra

me excita à vadiagem

segredando-me ao ouvido

desejos guardados

palavras libidinosas

 

a cidade se enrosca

em meu corpo

me aperta as nádegas

me assanha o sexo

me seduz inteira

 

a cidade se derrama

me devora

me absorve

me consome

 

a cidade me acende

um gozo vivo

uma transa louca

na fúria das horas



domingo, 10 de março de 2024

No cavalo

 

Gilka Machado (1893-1980)

 

Belo e heroico, agitando as veludosas crinas,

meu árdego animal, tens a sofreguidão

do infinito – o infinito haures pelas narinas –

e, sem asas obter, buscas fugir do chão.

 

Domino-te; entretanto, és tu que me dominas.

É um desejo que espera a humana direção

a tua alma, e, transpondo os valos e as campinas,

meu sentimento e o teu se compreendendo vão.

 

Amas o movimento, o perigo, as distâncias;

meigo, sentimental, tens arrojadas ânsias,

em tuas veias corre um férvido calor.

 

Quando em teu corpo forte o frágil corpo aprumo

eu me sinto disposta a lançar-me, sem rumo,

à conquistas da Glória e à conquistas do Amor!



quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Cabeludinho


Manoel de Barros (1916-2014)

 

8.

– Sou uma virtude conjugal

adivinha qual é?

– Um jambo,

um jardim outonal?

– Não.

– Uma louca,

as ruínas de Pompeia?

– Não.

– És uma estátua de nuvens,

o muro das lamentações?

– Não.

– Ai, entonces que reino é o teu, darling?

Me conta te dou fazenda,

me afundo, deixo o cachimbo.

Me conta que reino é o teu?

– Não.

Mas pode pegar em mim que estou uma Sodoma...



domingo, 14 de janeiro de 2024

Vendaval

 

Violeta Branca (1915-2000)

 

Teu desejo de vento

torceu os galhos fortes de minha vontade.

Sou folha tonta,

no giro alucinado

do teu caprichoso amor de vento.

 

Num constante delírio,

rodopio,

rodopio,

rodopio,

como pétala perdida

nas tuas doidas mãos de vento...

 

Da floresta mágica do sonho,

arrancou-me a fantasia de teu pensamento.

 

Sou a árvore mais linda,

árvore que canta

no delicioso desnorteio

 

do abraço morno

dos teus febris braços de vento.



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