domingo, 31 de janeiro de 2010
Poema sujo (fragmento)
Ferreira Gulllar
turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bucetinha que parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
sábado, 30 de janeiro de 2010
Verbo amar
Marco Adolfs
E eis que a dança lírica
Das pernas e das coxas,
Se mostra, livre, leve e doida;
Para melhor poder amar;
É quando então o falo enlouquecido,
Vermelho, santo e enobrecido;
Penetra fundo, sedento e teso;
Para melhor poder amar;
E nessa luta de fortes e submissos,
O gozo advém livre e despido;
De censuras impossíveis de se firmar...
...E tudo isso, amigos, é o verbo amar.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
Pornoemas
nisso eu sou primário
amor pra mim
vem do caralho
nisso eu sou careta
amor pra vim
vem da buceta
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
O julgamento de Frineia
Olavo Bilac (1865-1918)
Mnezarete, a divina, a pálida Frineia,
Comparece ante a austera e rígida assembleia
Do Areópago supremo. A Grécia inteira admira
Aquela formosura original, que inspira
E dá vida ao genial cinzel de Praxiteles,
De Hipérides à voz e à palheta de Apeles.
Quando os vinhos, na orgia, os convivas exaltam
E das roupas, enfim, livres os corpos saltam,
Nenhuma hetera sabe a primorosa taça,
Transbordante de Cós, erguer com maior graça,
Nem mostrar, a sorrir, com mais gentil meneio,
Mais formoso quadril, nem mais nevado seio.
Estremecem no altar, ao contemplá-la, os deuses,
Nua, entre aclamações, nos festivais de Elêusis…
Basta um rápido olhar provocante e lascivo:
Quem na fronte o sentiu curva a fronte, cativo…
Nada iguala o poder de suas mãos pequenas:
Basta um gesto, – e a seus pés roja-se humilde Atenas…
Vai ser julgada. Um véu, tornando inda mais bela
Sua oculta nudez, mal os encantos vela,
Mal a nudez oculta e sensual disfarça.
Cai-lhe, espáduas abaixo, a cabeleira esparsa…
Queda-se a multidão. Ergue-se Eutias. Fala,
E incita o tribunal severo a condená-la:
“Elêusis profanou! É falsa e dissoluta,
Leva ao lar a cizânia e as famílias enluta!
Dos deuses zomba! É ímpia! é má!” (E o pranto ardente
Corre nas faces dela, em fios, lentamente...)
“Por onde os passos move a corrupção se espraia,
E estende-se a discórdia! Heliastes! condenai-a!”
Vacila o tribunal, ouvindo a voz que o doma…
Mas, de pronto, entre a turba Hipérides assoma,
Defende-lhe a inocência, exclama, exora, pede,
Suplica, ordena, exige… O Areópago não cede.
“Pois condenai-a agora!” E à ré, que treme, a branca
Túnica despedaça, e o véu, que a encobre, arranca…
Pasmam subitamente os juízes deslumbrados.
– Leões pelo calmo olhar de um domador curvados:
Nua e branca, de pé, patente à luz do dia
Todo o corpo ideal, Frineia aparecia
Diante da multidão atônita e surpresa,
No triunfo imortal da Carne e da Beleza.
domingo, 24 de janeiro de 2010
sábado, 23 de janeiro de 2010
Um clássico do improviso
O velho Thomé de Souza,
Governador da Bahia,
Casou-se e no mesmo dia
Passou a pica na esposa.
Ele fez que nem raposa:
Comeu na frente e atrás,
Chegou na beira do cais,
Onde o navio trefega
Comeu o padre Nobrega,
Os tempos não voltam mais.
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
De dois pra cima
Antonio Carlos Lucena, o Touchê
bater punheta
chupar buceta
comer cuzinho
tudo é válido
só não vale
ficar sozinho
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Nonsense
Tem casal enciumado
E faz sentido.
O neguinho é sarado
Neguinha só peito e priquito.
Um bumbum arredondado
Um rosto bonito.
Mas tem casal que, puta merda
Ciúme de cu pra cu
Só um comeria o outro
Famoso casal “only you”.
Desprovida
Tem mulher que mais parece
Uma carta em desmazelo
Um buraco e um corte
Arrodeado de pelo.
Os peitos é que lembram a carta
Pois mais parecem dois selos.
Desgaste
Se xiri gastasse dedo
Feito pedra de esmeril
Eu não teria mais que três
Por mais que tivesse mil.
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Ecstasy
A solidão me diz
que nem sempre faço
o que sempre quis
Como estou a mil
eu mando a solidão
pra puta que pariu
Banho ao ar livre
Menina nua
toma banho de cacimba
e ri pra lua
No mato ao lado
o menino se masturba
fascinado
As dunas do barato
Era lá pras dunas do píer de Ipanema
que os bichos-grilos todos enturmados
cheios de gíria papo mole e tal
detonavam herô em flor com cocaína
e ficavam por ali meio chapados
armando um jeito de comer a Gal
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Em 68 só fiz 69
Roberto Piva
Coleridge /canção do velho marinheiro / pena de pavão pavoneia o pálio / carnèfice / Netuno & sua tribo / boa festa verão / medusas & mercados abandonados / Guido Cavalcanti / lo piacer mi stringe tanto / na gandaia & na missa dos tarados / cachos de glória & ouro / gatos tranquilos / comunas dando o cu pela primeira vez / hortelã-pimenta / águias noturnas / mascates mascarados / Verhaeren no banho quente / última aparição de Demeter em Delfos / folhas amarelas no retrato / lebres / cabeleira de amianto das sereias / javalis no largo da Pólvora.
domingo, 17 de janeiro de 2010
Da Antologia do Poema Pornô
Leila Miccolis
Dos males, o menor
Se eu te chamo de putinha,
sou machista e indecorosa.
No entanto, se não chamo,
você não goza...
Ciclo Familiar
Ciências Físicas (e Contábeis)
O homem se divide
em:
cabeça, bolso e membro.
A cabeça serve para pensar em mulheres.
O bolso para pagá-las.
O membro para fodê-las.
Mais alguma pergunta?
Usos em desusos
Eu só posso ser de um homem
ou então de uma mulher.
Mais que isso a vó se queixa,
a mãe não deixa,
o pai não quer.
Soneto com quatro títulos optativos ou simultâneos
. Namoro à antiga
. Ode ao moralismo
. Bons tempos...
. Saudosa maloca
Namoro antigo: titia
na sala bordando um pano,
tomava conta, e inda havia
entre nós dois... um piano...
Pra se mostrar, a vigia
tocava um rondó cigano,
tão mal, que ela enrubescia
se rias de algum engano...
Por fim, como despedida,
a mais ousada bravata:
o beijo na minha tez.
E após a tua saída,
eu, titia, mais a gata,
surubávamos as três...
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Corpo Horizontal
o homem horizontal
é indecifrável como o canto das flores
o homem horizontal
é o mijo e a titica da galinha
imperscrutável
objetivo
temporal no tempo
e com desejo do ar
o homem horizontal
não sabe do canto do ar
das altitudes platiplanas
da transparência dos cantos
que nem a refinaria mais sofisticada
destila
esse licor
esse homem vertical
enquanto velozzzmente
zzzuuummm zzzuuummm zzz uuu mm
na barriga de um Jumbo da Air France
meu corpo horizontal viaja
apoiado num símbolo fêmeo de ar
meu corpo horizontal de ar e terra
que um dia
(e eu tenho certeza)
será comido pela terra
numa noite de verão vagabundo
onde os corpos horizontais das praias
se lambuzam de areia e sol
nessa noite
noite quente
serei vertical
fogo fátuo
e rapidamente
voltarei para o cristal da história
no mármore do jazigo
luta pequena operária pelo teu corpo
corpo corpo
impossivelmente
não corpo
mas como todos os corpos desse mundo
corpo horizontal
como um umbigo do mundo
onde as bocas ardem
na escassez da água da vida
vida prometida vida vida
como se fosse céu terra
onde meu planeta e eu
precisamente brasileira
precisamente da América Latina
como constelações
que não organizo
porque me escapam
pelos dedos da metodologia
ardem minhas narinas de mijo e titica
aqui
aqui em São Paulo
precisamente ao sul minha terra
da poluição constante
onde o corpo horizontal
de alguns guerreiros
há muito estão depositados no fundo da terra
e eu os invejo invejo porque
love is blind
enxertado na história
o corpo horizontal trafega pela noite
em busca das mulheres atlânticas
que com seus corpos horizontais
alimentam o desespero e a solidão
somente no corpo horizontal
indecifrável na sua singularidade
a idade da flor seu canto
e toda a linguagem
procuram o vértice cósmico
como um brinquedo quebrado
que deve ser armado rearmado
e devorado em sua extensão de profundidade
meu corpo horizontal
é teu — companheiro
minha ansiedade também é tua
como todos os corpos horizontais são meus
na troca de água e fogo desse mundo
onde a boca explcnde o canto
e o horizonte em profundidade é vértice
corpo do meu irmão Egberto Gismonti
que em seu recinto de homem
só cabe a música e o resto
são cristais e sombras
corpo do meu amigo Bráulio Pedroso
de ossos excessivos e doentio
e uma boca plena de estórias
e a agonia da historicidade
em troca do amor humano
corpo do meu amado
corpo do futuro do amanhã
do imediato
te quero aqui agora
na produção desse poema enlouquecido
a meu lado sim e distante
me amando agora
como nenhuma mulher foi amada
porque tua barba é melaço
teus olhos duas banheiras de mel
tua mão direita a da cura
e a esquerda de homem
de homem horizontal
gozando hoje a história
e o meu amor de mulher
corpo de Geraldo Eduardo Ribeiro Carneiro
Geraldinho — meu parceiro
poeta da beleza das avenidas
mas não dos quintais da fome
poeta ensaísta letrista diretor de shows
para esconder a poesia
de seu corpo em chamas
corpo de Eduardo Mascarenhas
de discurso horizontal e vertical
corpo de dança boca de terra
meu amigo imediato e distante
onde meço o ganho e a perda
e a seu lado assisto meu enterro
quando os cadáveres precisam ser enterrados
e a minha boca tem medo
corpo gordo de minha mãe
de boca escassa
e de um refinamento
onde minha vida pôde explodir um dia
corpo seco de meu pai
corpo tímido — vertical
desvairado de amor
impossivelmente dito confessado
corpo do primeiro namorado
corpo horizontal que ousou tocar-me
e que da minha buceta
fez escorrer um caldo morno
e ensinou meu corpo tremer
o inconsciente da minha espécie
e o meu desejo de mulher
corpo vertical de Giselda Leirner
corpo discursivo
metafisicisando o ar
num desmaio de fêmea
a mão precisa para o traço do desenho
e um apelo do corpo horizontal
buscando Paris Nova York Israel
e o mergulho no homem amado
minha amiga Giselda
minha amiga
corpos de todos os homens
e de todas as mulheres
de todo esse mundo
eu vos pertenço para sempre
eu vos pertenço para sempre
assim como cada detalhe da minha pátria
assim como cada detalhe
do meu próprio corpo
do meu corpo vertical
do meu corpo horizontal
e de todos os movimentos ascendentes
e descendentes
em suas pulsações
ora em direção à vida
ora em direção à morte
em seus movimentos indispensáveis
gerando cosmos enquanto a Via Láctea
explode todas as noites
sobre meu corpo de terra
e de luz
em Maputo num extremo da África
o corpo de Ruy Guerra trabalha por mim
e a despeito de mim mundo
mundo simultâneo
e absurdo
eu estou aqui
Soneto CLXVIII
Este que vês aqui, formosa dama,
Entre moles testículos pendente,
Já foi em outro tempo raio ardente,
Hoje é pavio, que não solta chama:
Este que vês aqui, já foi o Gama
Dos mares onde navega tanta gente;
Hoje é carcaça velha, que somente
Dos estragos que fez conserva a fama:
Este que vês aqui, foi do trabalho
O maior sofredor (quem tal dissera?)
Hoje do amor é lânguido espantalho:
Este que vês aqui, na ardente esfera,
Já foi flor, já foi luz, já foi caralho;
Mas hoje não é já quem dantes era.
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Cavalheiro só
Os jovens homossexuais e as mocinhas amorosas,
e as longas viúvas que sofrem de insônia delirante,
e as jovens senhoras há trinta horas emprenhadas,
e os gatos roufenhos que atravessam meu jardim em trevas,
como um colar de palpitantes ostras sexuais
rodeiam minha casa solitária,
inimigos jurados de minha alma,
conspiradores em traje de dormir,
que trocaram por senha grandes beijos espessos.
O verão radiante conduz os namorados
em uniformes regimentos melancólicos
de pares gordos magros e alegres tristes pares:
sob os coqueiros elegantes, junto ao mar e à lua,
há uma vida contínua de calças e galinhas,
um rumor de meias de seda acariciadas,
e seios femininos a brilhar como dois olhos.
O pequeno empregado, depois de tanta coisa,
depois do tédio semanal e das novelas lidas na cama toda noite,
seduziu sua vizinha inapelavelmente
e a leva agora a cinemas miseráveis
onde os heróis são potros ou são príncipes apaixonados,
e lhe acaricia as pernas, véu macio,
com suas mãos ardentes, úmidas que cheiram a cigarro.
As tardes do sedutor e as noites dos esposos
se unem, dois lençóis que me sepultam,
e as horas de após almoço em que os jovens estudantes
e as jovens estudantes, e os padres se masturbam,
e os animais fornicam sem rodeios
e as abelhas cheiram a sangue e zumbem coléricas as moscas,
e os primos brincam de estranho jeito com as primas,
e os médicos olham com fúria o marido da jovem paciente,
e as horas da manhã nas quais, como que por descuido, o professor
cumpre os seus deveres conjugais e desjejua,
e inda mais os adúlteros, que com amor verdadeiro se amam
sobre leitos altos, amplos como embarcações;
seguramente, eternamente me rodeia
este respiratório e enredado grande bosque
com grandes flores e com dentaduras
e raízes negras em forma de unhas e sapatos.
(Trad. José Paulo Paes)
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Soneto de Devoção
Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios
Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria
Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela
Essa mulher é um mundo! – uma cadela
Talvez... – mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Ouverture
Quero me abstrair nessas coxas e bundas,
Putas maduras, jovens, noviças, professas,
Do único vero Deus, sacerdotisas veras:
Ah, não sair mais dessas fendas e riscas!
Que pés maravilhosos: vão para o amante,
Voltam só com o amante, descansam apenas
Durante o amor, no leito, depois de gentis mimam
Os pés do amante, que exausto, lasso, se encolhe.
Premidos, aflorados, beijados, lambidos
Das plantas aos dedos, chupados um a um,
Aos tornozelos, aos lagos de veias lentas,
Pés mais belos que os pés de apóstolos e heróis.
Me encanta vossa boca e seus jogos graciosos,
Os da língua, os dos lábios e ainda os dos dentes,
Que mordem nossa língua e às vezes mesmo mais:
Coisas quase tão boas quanto pôr lá dentro;
E vossos seios, montes de orgulho e luxúria,
Entre os quais se iça às vezes meu viril orgulho
Para poder a contento crescer e roçar-se
Tal como um javali entre o Parnaso e o Pindo.
E os braços, que adoro também, belos e brancos,
Macios e firmes, gorduchos, nervosos, belos
E brancos como as bundas, quase tão tesudos;
Quentes no amor, depois, porém, frescos jazigos.
E as mãos que pendem desses braços, ah engoli-las!
Ungidas com o dom do afago e da preguiça,
Extratoras da glande transida que escapa,
Punheteiras de solicitudes infindas.
Mas ora, o que é isso tudo, Putas, perto dos
Vossos cus e bucetas, cujos visão, gosto,
Odor e tato transformam fiéis em eleitos,
Tabernáculos, relicários do impudor.
Por isso, minhas irmãs, nessas coxas e bundas
Quero abstrair-me todo, únicas companheiras,
Belas maduras, jovens, noviças, professas,
E nunca mais sair dessas fendas e riscas.
(Trad. Heloisa Jahn)
domingo, 10 de janeiro de 2010
Soneto 509 Assumido
Mattoso, que nasceu deficiente,
ainda foi currado em plena infância:
lambeu com nojo o pé; chupou com ânsia
o pau; mijo engoliu, salgado e quente.
Escravo dos moleques, se ressente
do trauma e se tornou da intolerância
um nu e cru cantor, mesmo à distância,
enquanto a luz se apaga em sua lente.
Tortura, humilhação e o que se excreta
são temas que abordou, na mais castiça
e chula das linguagens, o antiesteta.
Merece o que o vaidoso não cobiça:
um título que, além de ser “poeta”,
será “da crueldade” por justiça.
Soneto 951 Natal
Nasci glaucomatoso, não poeta.
Poeta me tornei pela revolta
que contra o mundo a língua suja solta
e a vida como báratro interpreta.
Bastardo como bardo, minha meta
jamais foi ao guru servir de escolta
nem crer que do Messias venha a volta,
mas sim invectivar tudo o que veta.
Compenso o que no abuso se me impôs
(pedal humilhação) com meu fetiche,
lambendo, por debaixo, os pés do algoz.
Mas não compenso, nem que o gozo esguiche,
masoca, esta cegueira, e meus pornôs
poemas de Bocage são pastiche.
sábado, 9 de janeiro de 2010
Primeiro poema homossexual
Luiz Petry (aliás, Patrick Jack)
Ele dança com os garotões nas boates de néon pela
madrugada
E está excitado numa calça justa de cetim negro
Ele me olha porque já sacou que sou um poeta perdido
Um poeta com os olhos fixos em alguém que não vem,
um pássaro negro!
Mas eu não caio nessa, garotão, não o bom e velho
Patrick Jack
Pois já tenho problemas o bastante com as mulheres
Fica pra outra, meu anjo
Pra outra encarnação.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
Metaleira mon amour
“Toda mulher gosta de apanhar.”
Ela sussurrou às seis da manhã,
arranhando o meu ouvido.
Beija-a com força e quase arranquei-lhe a língua.
Mas ela queria mais, queria apanhar.
Dei-lhe uma palmada na bunda.
Mas ela queria mais, a vagabunda.
Bati com a cara dela na porta
e então agarrei-a por trás.
Só batia nos flancos,
e me imaginei cavalgando aquela vaca
pelos verdes campos do Olimpo.
Lá talvez tudo fosse mais limpo,
com aquelas ninfas gentis e graciosas
abençoando o pau de Deus.
Mas aqui embaixo ela mordia a cabeça do meu,
quase arrancando o pedaço.
Dei-lhe um pescotapa e ela foi com a cara no chão.
Jorrava sangue da testa,
parecia a besta do Apocalipse
balbuciando coisas demoníacas.
Fiquei horrorizado e chutei a cara da ninfa.
Falei que aquela não era a minha chinfra
e que ela tinha que dar o fora.
Ela se pendurou no meu saco e perguntou aflita:
– Quando, meu anjo, quando?
E eu respondi, quase gozando:
– Agora, maldita, agora!
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Poema da buceta cabeluda
A buceta da minha amada
tem pelos barrocos,
lúdicos, profanos.
É faminta
como o polígono-das-secas
e cheia de ritmos
como o recôncavo-baiano.
A buceta da minha amada
é cabeluda
como um tapete persa.
É um buraco-negro
bem no meio do púbis
do Universo.
A buceta da minha amada
é cabeluda,
misteriosa, sonâmbula.
É bela como uma letra grega:
é o alfa-e-ômega dos meus segredos,
é um delta ardente sob os meus dedos
e na minha língua
é lambda.
A buceta da minha amada
é um tesouro
é o Tosão de Ouro
é um tesão.
É cabeluda, e cabe, linda,
em minha mão.
A buceta da minha amada
me aperta dentro, de um tal jeito
que quase me morde;
e só não é mais cabeluda
do que as coisas que ela geme
quando a gente fode.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
A indecência pode ser saudável
D. H. Lawrence (1885-1930)
A indecência pode ser normal, saudável;
na verdade, um pouco de indecência é necessário em toda vida
para a manter normal, saudável.
E um pouco de putaria pode ser normal, saudável.
Na verdade, um pouco de putaria é necessário em toda vida
para a manter normal, saudável.
Mesmo a sodomia pode ser normal, saudável,
desde que haja troca de sentimento verdadeiro.
Mas se alguma delas for para o cérebro, aí se torna perniciosa:
a indecência no cérebro se torna obscena, viciosa,
a putaria no cérebro se torna sifilítica
e a sodomia no cérebro se torna uma missão,
tudo, vício, missão, insanamente mórbido.
Do mesmo modo, a castidade na hora própria é normal e bonita.
Mas a castidade no cérebro é vício, perversão.
E a rígida supressão de toda e qualquer indecência, putaria e relações assim
leva direto a furiosa insanidade.
E a quinta geração de puritanos, se não for obscenamente depravada,
é idiota. Por isso, você tem que escolher.
(Trad. José Paulo Paes)
domingo, 3 de janeiro de 2010
De Catulo a Simão Pessoa – dois mil anos de poesia e escracho 5/5
sei que escrevo pra mim mesmo
E não havia sequer vestígios do remorso elementar com que é tratada a cultura aldeã. Dessacralizar a pasmaceira geral era a palavra de ordem daquele exército individual:
caldeirada de bodó
moqueca de jaraqui
filé de tucunaré
costela de tambaqui
suco de jenipapo
batida de buriti
creme de graviola
sorvete de açaí
e no final do embate
a diarreia à la carte
Nem o guaraná velho de guerra era poupado:
no mercado central
turista quer guaraná
coitado pensa que é fácil
fazer pica levantar
Em Ócio dos Ofídios predomina um lirismo comprometido com um 1978 que parecia não ter fim. À maneira de Bacellar, poemas dedicados às frutas amazônicas, terenas, andirás e o belo "Distrito
Industrial". Ecológico antes da moda, jamais chato. Os poemas de Carajo retomam a lírica escrachada, em sintonia com a manhã anunciada:
estava tão excitado
que nem tirou a chuteira
mordeu os seios com força
quase arrancou os mamilos
meteu o dedo na xana
arrebentou o clitóris
ainda se não bastasse
a ejaculação foi precoce
agora quer o divórcio
a mulher do torturador
Há registros de uma insuspeita alegria, denunciada pelas referências infantis que pedem uma algazarra ao fundo:
Ivo ganhou uma ave
a ave de Ivo voa
baleei a ave do Ivo
Ivo ficou puto
Ivo me dedou pro velho
Ivo é um viado
Ou:
O cravo transou a rosa
debaixo de uma sacada
o cravo saiu sorrindo
a rosa descabaçada
Essa alegria não disfarçada tem seu contraponto natural na placidez onírica de um poema que tem tudo para passar desapercebido em sua singeleza, se não despertasse o leitor com o vigor das palavras escolhidas:
era dia de S. Cosme
com crianças e cirandas
vestias uma camisola
recendendo a lavanda
foi sonho ou foi delírio
a trepada na varanda?
Em Miss Heartbreak a persona lírica é feminina e o poema desenvolve-se de maneira uniforme e sequenciada: da primeira dentição ao primeiro aborto, passando pelas experiências sensoriais mais elementares – a masturbação ao som de Eric Clapton, o primeiro porre, as paixões adolescentes, overdose, ácido, sodomia, cursinho, feminismo – até o fim:
e partiu assim de repente
deixando um vago na gente
O poema "Loba das Estepes" sintetiza o pensamento de Miss Heartbreak:
os homens me temem pelo que represento
subvertendo o jogo secular do jugo
(...)
para que da triste memória
do passado tão recente
se dê à luz uma nova mística feminina
e que eles de repente
percebam
que trinta paus não valem uma vagina
Fecha o volume o maiúsculo Trastes & Contraste, ultrassonografia poética desta cidade maluca:
são tantas cidades em uma só
que só conheço a menor
que só conheço a pior
Ah, querida leitora, prezado leitor. Se tiveste paciência para até aqui acompanhar-me, dir-te-ei o que me moveu a escrever estas parcas laudas: vinte palavras, leitora, vinte palavrinhas, leitor, que me calaram fundo na magrugada em que as li:
Cláudio Feldman, ao comentar os Hard Kais no novo livro de Simão, Matou Bashô E Foi Ao Cinema, foi o responsável pela minha insônia. Ó Simão, além do Bashô, manda o Brinca também pro Cláudio. Eu empresto o meu exemplar. Pra copiar.
A referência cinematográfica do título não é gratuita: underground e escrachado, Simão mata o pai Bashô e, se não reinventa, redimensiona o haicai e o poema-escracho, escrachando aquele e sobrecarregando de finíssimo lirismo este, como no metalinguístico "Súbito Aguaceiro":
Libertam-se libélulas
crisálidas de cristal
sob sol insólito
e eu meio bundão
cansado de fazer
tanta aliteração
Observe-se que há dois poemas, imbricados, o segundo comentando o primeiro, subvertendo o rigor métrico ortodoxo, porém conservando uma musicalidade expressiva, como neste "Flores de Cerejeira", onde o caráter oriental da forma é atropelado pela realidade telúrica que cerca a criação poética:
Olho para as flores
Olho e as flores caem
Olho e as flores riem
Brincadeira:
nessa porra de cidade
nem existe cerejeira!
Filiado à milenar tradição do escracho, Bashô traz como apêndice Karalhokê, 40 haicais de fazer corar os catecismos do velho Zéfiro: das manjadissimas Papai e Mamãe e Barba, Cabelo e Bigode até as pós-modernas Nintendo e Realidade Virtual, Simão inventaria as posições do jogo amoroso, com um humor corrosivo, próximo à dor. Um humor que não poupa nem ao poeta nem ao leitor: lírica escrachada. Um conceito que supera, porque contempla, as definições de poesia satírica, poesia burlesca, poesia erótica e cognatos, reunindo sob seu manto uma poesia com todas as qualidades técnicas intrínsecas, mas com um motivo patente, desmascarado, que não deixa margem a segundas leituras: escracho. Uma redução do caráter múltiplo da poesia a uma condição linear, prosaica? Absolutamente. A permanência e a universalidade do poema-escracho residem exatamente na coragem do poeta de lançar mão, com arte superior, do momentâneo ou do ridículo para eternizar-se.
Este teu cu, ó minha doce amada
[atribuído a Farias de Carvalho (1930-1997)]
Este teu cu, ó minha doce amada,
voltado assim pras bandas do nascente,
pareceu aos meus olhos de repente
um pedaço de lua ensanguentada.
E é por vê-lo assim indiferente
às preces desta pica apaixonada
que eu me quedo a adorá-lo diariamente
nesta minha capela de calçada.
Porém, um dia, amor, se tu quisesses
e o teu róseo botão enfim me desses,
cheia de amor e de paixão profunda,
o mundo inteiro iria ver, tremendo,
o quarto Sputinik arremetendo
na abóbada do céu da tua bunda.
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
De Catulo a Simão Pessoa – dois mil anos de poesia e escracho 4/5
Bocage – Mas não se pode falar em lírica escrachada sem citar o português – contrariando todos os prognósticos – Bocage (1765-1805), o inesquecível herói de todas as histórias de sacanagem do pessoal com mais de 30. Condenado pela Inquisição por “pregar ideias liberais em papéis sediciosos”, Bocage morreu humilhado e miserável em plena atividade criadora. Sonetista exímio, carnavalizou a pétrea forma em escracho derramado:
Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:
Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cleópatra por puta alcança a coroa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:
Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra é tudo peta.
Bocage, como bom escrachado, mesmo na morte ri de si mesmo. Ao famoso
Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.
figurinha carimbada em qualquer antologia escolar, ele contrapõe, com uma piscadela ao cúmplice leitor:
Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi gratia – o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:
Não quero funeral comunidade,
Que engrole sub venites em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:
Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:
“Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro.”
De Catulo a Simão Pessoa – dois mil anos de poesia e escracho 3/5
Há muito mais novidade, mais juventude em Gregório do que em muito blá blá blá de vanguarda que anda por aí. Gregório já rompe os limites entre a poesia de produção e a de consumo: faz poemas requintadíssimos e faz canção popular, vai do grosso ao fino, do bronco ao barroco, com a maior liberdade.
1 Que falta nesta cidade?..................................................... Verdade
Que mais por sua desonra................................................. Honra
Falta mais que se lhe ponha............................................... Vergonha
O demo a viver se exponha,
por mais que a fama a exalta,
Verdade, Honra,Vergonha.
3 Quais são os seus doces objetos?..................................... Pretos
Tem outros bens mais maciços?........................................ Mestiços
Quais destes lhe são mais gratos?...................................... Mulatos
5 E que justiça a resguarda?................................................. Bastarda
É grátis distribuída?........................................................... Vendida
Que tem,que a todos assusta?.............................................Injusta
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.
7 E nos Frades há manqueiras?............................................ Freiras
Em que ocupam os serões?............................................... Sermões
Não se ocupam em disputas?.............................................Putas
me concluís na verdade,
que as lides todas de um Frade
são Freiras, Sermões e Putas.
Pois não tem todo o poder?............................................... Não quer
É que o governo a convence?............................................. Não vence
Quem haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
não pode, não quer, não vence.
Quanta atualidade nestes trezentos anos de Gregório!
De Catulo a Simão Pessoa – dois mil anos de poesia e escracho 2/5
Marcial – Na língua de Catulo, outros poetas mantiveram acesa a chama do lirismo que vê além das pequenas grandes dores individuais, rindo-se de si mesmos ou tematizando o amor e o erotismo muito além do permitido pela moral vigente: o elegíaco Propércio, o decadente e censurado Ovídio e o epigramático Marcial sobreviveram a dois mil anos de guerras, revoluções, flagelos e boleros. Marcial, tendo vivido no primeiro século da era cristã, é o grande cronista daquela época, com seu estilo conciso e alegre:
Afra tem amas e amos – mas é ela
a maior mama entre amos e mucamas. (8)
Corre o rumor,Chione: nunca foste fodida,
e nada mais puro existe que tua cona.
Nessa parte (por vestes velada) nem te lavas.
Se é pudor, desnuda a cona e vela a face. (9)
A Faixa Peitoral
Comprime, de minha amante, os dois seios em botão
para que caibam sempre no oco de minha mão. (10)
Mas se o título deste artigo fala em dois mil anos de poesia, e até agora mal chegamos a cem, demos um salto no tempo e no espaço, e observemos a lírica escrachada da última flor do Lácio. O que quer, o que pode esta língua?
(8), (9): Luiz António de Figueiredo e Ênio Aloísio Fonda
(10): José Paulo Paes
A oferenda
Trago-te estas mãos vazias
Que vão tomando a forma do teu seio.