Amigos da Alcova

domingo, 29 de setembro de 2019

A pica ressuscita a mulher morta



Francisco Moniz Barreto (1804-1868)


A pica o instrumento é que no mundo
Mais milagres tem feito e mais proezas;
A pica o melhor traste é das belezas,
Mal que começa a lhes coçar o sundo.

A pica é o cão, que avança furibundo
A plebeias, fidalgas e princesas;
A pica em chamas Troia pôs acesas,
E a Dido fez descer do Urco ao fundo.

É a pica – carnal, possante espada,
Que o mundo, perfurante, emenda, entorta,
E tudo vence, como bem lhe agrada.

A pica, ora é calmante, ora conforta;
Sendo em dose alopática aplicada,
A pica ressuscita a mulher morta.



sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Metempsicose



Antero de Quental (1842-1893)


Ardentes filhas do prazer, dizei-me!
Vossos sonhos quais são, depois da orgia?
Acaso nunca a imagem fugidia
do que fostes em vós se agita e freme?

Noutra vida e outra esfera, aonde geme
outro vento, e se acende um outro dia,
que corpo tínheis? Que matéria fria
vossa alma incendiou, com fogo estreme?

Vós fostes, nas florestas, bravas feras,
arrastando, leoas ou panteras,
de dentadas de amor um corpo exangue...

Mordei, pois, esta carne palpitante,
feras feitas de gaze flutuante...
Lobas! Leoas! Sim, bebei meu sangue!

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