Amigos da Alcova

sábado, 16 de junho de 2018

A um moçoilo




 Junqueira Freire (1832-1855)


Eu que te amo tão deveras,
A quem tu, louro moçoilo,
Me fazes chiar e amolas,
Qual canivete em rebolo;
Eu que, qual anjo, te adoro,
Então, menino, eu sou tolo?

Quem te venera e te serve,
Te serve de coração;
Quem a nada mais atende,
Senão à sua paixão;
Quem sustém por ti a vida,
Tolo não pode ser, não.

Quem te olhando a áurea face,
Lá se queda enamorado,
Te olhando os olhos ferventes,
Permanece endeusado;
Esse que chame-lo tolo,
Esse sim, vai enganado.

Quem tanto por um só perde,
Que a ninguém quer antepô-lo,
Que vê-lo só quer num trono,
Num trono só de ouro pô-lo;
Esse que tolo xingá-lo,
Esse sim – esse é que é tolo.

Quem já em ver seu queixinho
Bipartido se mantém;
Quem embebido em seu todo
Horas, dias gasto tem;
Quem no cárcere do corpo
A alma por ele sustém;

Avanço axioma certo, –
Que esse não é tolo, não;
Que esse ama angelicamente
Fora da contagião;
Que esse que tolo xingá-lo,
Esse sim – é toleirão.

E tu que me xingaste tolo,
Meu moço, anjinho feliz!
Só porque amar-te deveras
Meu Deus, minha sina quis.
Só porque certo bem maus
Dous versos te dei que fiz.

Meu anjo me olha e despreza
Com mirar tão furibundo!
Já não hei mais esperança
De ter serafim jucundo,
Que aos céus me leve risonho
Quando me for deste mundo.

Mas se tolo é admirá-lo
A todo mundo interpô-lo,
Querer lá vê-lo num trono,
Num leito dourado e pô-lo,
Alfim beijá-lo e gozá-lo,
Então sim quero ser tolo!

sábado, 2 de junho de 2018

Meu desejo



Álvares de Azevedo (1831-1852)


Meu desejo? era ser a luva branca
Que essa tua gentil mãozinha aperta;
A camélia que murcha no teu seio,
O anjo que por te ver do céu deserta...

Meu desejo? era ser o sapatinho
Que teu mimoso pé no baile encerra...
A esperança que sonhas no futuro,
As saudades que tens aqui na terra...

Meu desejo? era ser o cortinado
Que não conta os mistérios de teu leito;
Era de teu colar de negra seda
Ser a cruz com que dormes sobre o peito.

Meu desejo? era ser o teu espelho
Que mais bela te vê quando deslaças
Do baile as roupas de escumilha e flores
E mira-te amoroso as nuas graças!

Meu desejo? era ser desse teu leito
De cambraia o lençol, o travesseiro
Com que velas o seio, onde repousas,
Solto o cabelo, o rosto feiticeiro...

Meu desejo? era ser a voz da terra
Que da estrela do céu ouvisse amor!
Ser o amante que sonhas, que desejas
Nas cismas encantadas de langor!

Voyeurs desde o Natal de 2009