Amigos da Alcova

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A história de Loirinha – final

Marco Adolfs



Enquanto eu estava sendo estuprada, a cruz, no alto daquela igrejinha, parecia a visão da única possibilidade de existência onde me agarrar. Não é estranho? Depois que eu compreendi melhor o mundo e fiquei sabendo da ideia da salvação que a cruz carrega... Como símbolo, Cristo e tudo o mais... Sabe, nunca me importei muito em rezar... Orar? Mas não é isso o que as pessoas que desejam agradecer ou pedir a esse Deus geralmente fazem? Sempre busquei corpos para a sobrevivência pura e simples. Agi como uma devassa completa. Desejei homens com atitudes. Procurava viver e concordar com as iniciativas deles. Sabia que um dia tudo isso acabaria. Eles impunham suas vontades de machos e eu os recebia passivamente. Eles me abordavam com suas palavras de convencimento e eu cedia. Tudo muito fácil. Um mal necessário? Um bem? Um nada?...

Eu escutava atentamente aquele desabafo, quase concordando com tudo.

– Eu quero então lhe pedir uma coisa – disse Loirinha, saindo de seus devaneios.

– Peça – eu disse, calmamente.

– Me leva a uma igreja – completou Loirinha.

Por um momento fiquei em silêncio, não acreditando no que ouvira.

– Pra quê? – perguntei curioso.

Loirinha bebeu mais um gole de vinho e disse.

– Quero agradecer por tudo o que aconteceu comigo.

Naquela tarde de um sol vermelho tinto-sangue, eu levei Loirinha até uma igreja como ela me pediu. Ao entrarmos, a missa já havia começado. Pegamos um lugar em um dos bancos dispostos nas laterais e sentamos. Logo, o padre que oficiava a missa solicitou aos fiéis que todos se ajoelhassem. Loirinha imediatamente obedeceu. Quando todos começaram a rezar eu pude perceber que Loirinha parecia balbuciar uma oração. Fiquei extremamente emocionado ao notar uma lágrima escorrendo pela sua face. “Estranha espiritualidade... Mas teria sido esse o final escolhido por ela, desde o começo?”, pensei.

sábado, 26 de novembro de 2011

Poema com brócolis

Roberto Piva (1937-2010)



o cacique tomava chá com seu corpo pintado.

o pajé dançava com a casca do

gambá.

você brincava com meu caralho.

Macunaíma & Alice no país da

Cobra Grande.

mesma estrutura narra-ação &

barroco elétrico pinçando

estilhaços de visões.

palmeiras de cobre.

meu cu como bandeira

do navio pirata.

a lua começa a cantar.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A história de Loirinha 17

Marco Adolfs


            Muito ainda Loirinha fez na sua vida de prostituta, posso dizer. Muitas e muitas laudas, ainda foram escritas por mim, sobre as suas estripulias sexuais. Tanto, que deu material para um livro. Resolvi relatar, aqui neste espaço, bem menos de um terço de tudo. Só posso dizer agora que os anos mais recentes de sua vida foram em perfeita paz. Apesar de todas as dificuldades, conseguira comprar alguns imóveis, de se estabelecer. Tinha uma conta bancária razoável e havia vencido a tudo e a todos. Um dia, justamente o dia em que resolvi lhe fazer as entrevistas, ela me disse que “cansara de mexer a bundinha”. O seu descanso era espiritual, percebi. Começou a chorar no meu ombro. E de sua boca começou a sair uma confissão. “Minha vida, se fosse escrita, daria um livro”, foi a primeira coisa que falou. “Então porque não escrever?”, pensei. E foi o que fiz. Mas o mais estranho de tudo, na busca desse tempo perdido e reencontrado através das letras, da vida Loirinha, ainda haveria de acontecer. Aconteceu quando eu achei que havia chegado ao fim do meu trabalho de captação jornalística. Aconteceu em certo domingo quando, durante um final de tarde, eu me encontrava sentado na ampla sacada de seu apartamento, localizado na frente de uma praia muito conhecida. Havíamos almoçado juntos naquele dia. E, naquela hora em que tudo aconteceu, o sol esmaecia entre nuvens vermelhas no horizonte e um vento ameno acariciava as nossas faces. Os olhos azuis de Loirinha fitavam aquele horizonte como que em busca de repouso. Algumas rugas acentuavam ainda mais a sua maturidade. O silêncio era quase total. Fumávamos. Ela, um cigarro; eu, o charuto de sempre. Ao lado, duas taças de vinho tinto. Foi quando ela resolveu quebrar o silêncio.

            – Não me arrependo de nada. Mas agora eu vou te pedir uma coisa... Mas, primeiro, deixa eu lhe dizer mais uma coisa... Agora eu me lembrei muito bem... que..., que, quando eu estava sendo estuprada  por aqueles meninos, no campinho de futebol, a única coisa que eu conseguia ver; vislumbrar... em meio àquele turma de cretinos era... era..., uma cruz... A cruz de uma igrejinha que ficava nos fundos daquele campo de futebol... E uns raios de sol... Lembro bem, saindo por detrás dela...

(Final de A história de Loirinha, na próxima semana...)

sábado, 19 de novembro de 2011

Soneto XXXI

Antônio Lobo de Carvalho (1730-1787)

Parodiando o soneto em que João Xavier de Matos descreve o templo d’Amor,
“No templo entrei d’Amor e inda gelado”



Fui uma vez d’Amor à sacristia,
que era um quarto interior do Talaveiras,
e vi trinta milhões de alcoviteiras,
inculcando a safada putaria:

De chichisbéus a tropa ali se via
encrespando os anéis das cabeleiras,
e descendo-lhe o vinho às algibeiras
davam cada facada, que estrugia:

O manso corno então se vai embora,
de Albarda o chichisbéu vi, que trabalha
por servir como burro a uma senhora:

No teto estava Amor de escudo e malha,
com seis vinténs na mão, e a pica fora
Mijando em toda aquela vil canalha.


Chichisbéu: paquerador; metido a gostoso.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A história de Loirinha 16

Marco Adolfs


Assim que entrou na igrejinha, Loirinha achou-a muito velha e escura. Repleta de imagens esquecidas, bancos encardidos e um odor forte de mofo e abandono no ar. Aquela era a segunda vez que Loirinha pisava em uma igreja. Escolheu então um banco próximo ao altar e ficou olhando para a face de uma santa. Sentiu vontade de chorar ao ver aquela face da santa lhe fitando com um ar de compaixão. Loirinha não soube me dizer quanto tempo ficou ali, absorta em seus pensamentos de solidão...
Foi despertada por uma mão gorda e quente lhe tocando o ombro. Loirinha assustou-se e, olhando para trás, para ver quem era, viu um padre.
– A igreja vai ser fechada – disse-lhe o religioso. – Amanhã teremos uma missa às seis horas – continuou.
– Não estou aqui para rezar; vou já sair – disse Loirinha, levantando-se. – Mas o senhor não teria condições de me dar um abrigo só por esta noite? – perguntou então, desconfiando de que poderia receber alguma ajuda do padre nesse sentido.
O padre a fitou de cima para baixo e perguntou:
– De onde você é?
– Vim de carona até aqui – resolveu dizer Loirinha. – Fugi de casa...; meu padrasto me batia muito – completou, tentando sensibilizar o padre.
– Isso não se faz – disse o padre.
– É só por essa noite, padre – fez observar Loirinha. – Amanhã cedinho eu vou dar um jeito de ir embora e voltar para a minha casa – explicou.
O padre a olhou de cima a baixo mais uma vez.
– Está certo – disse. – Você pode dormir em um quartinho que existe aqui nos fundos da igreja – completou, indicando o local.
O quartinho era um cubículo úmido e bolorento, com apenas uma cortina como porta. Tinha apenas uma cama de solteiro encostada em uma das paredes e um pequeno armário a um canto.
O padre então lhe disse que ela poderia ficar ali, que ele voltaria logo para conversar melhor com ela. Loirinha então, assim que o padre saiu, deitou-se na cama e ficou absorta com o olhar perdido no teto encardido. Estava ainda daquele jeito quando o padre pediu licença e entrou no quarto segurando um banquinho em uma das mãos. Sentou-se de frente para ela e começou a perguntar-lhe sobre o seu padrasto e a sua vida. Loirinha mentia e falava a verdade. Falou tanto e com tal entusiasmo que o padre logo se aproximou dela e começou a fazer-lhe um carinho no rosto dizendo que ela era muito bonita e que ele gostava de meninas risonhas e simpáticas como ela.

(Continua na próxima semana...)

sábado, 12 de novembro de 2011

Cristo morreu há mil e tantos anos

Filinto Elísio ( 1734-1819)



Cristo morreu há mil e tantos anos;
foi descido da cruz, logo enterrado:
mas até aqui de pedir não têm cessado
para o sepulcro dele os franciscanos.

Tornou Cristo a surgir entre os humanos,
subiu da terra aos céus, lá está sentado,
e ainda à saúde dele sepultado,
bebem (o saco o paga) estes maganos.

E cuida quem lhes dá a sua esmola,
que eles a gastam em função tão pia?
Quanto vos enganais; oh gente tola!

O altar-mor com dois cotos se alumia;
E o frade com a puta, que o consola,
Gasta de noite o que lhe dais de dia.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A história de Loirinha 15

Marco Adolfs

Nesse dia em que Loirinha começou a me relatar essa parte de sua vida eu estava em seu apartamento. Era um sábado e ela havia me convidado para passar o dia com ela. Disse que eu poderia continuar a minha entrevista comendo uma boa bacalhoada preparada por ela mesma e sorvendo um bom vinho branco de Portugal. Enquanto eu organizava as minhas anotações, Loirinha saiu da sala dizendo que iria tomar um banho. Fiquei ali, envolvido por mil pensamentos. Como ela sabia que eu gostava de um bom charuto, deu-me um de presente para que eu aproveitasse enquanto tomava o seu banho. Agradeci, acendi e levantei para ir até a varanda e olhar a paisagem lá fora. Por sinal, muito bonita. O tempo passou um pouco mais, quando ela então reapareceu, convidando-me para o almoço. Deixei o charuto de lado e preparei-me para abrir o vinho. Loirinha estava esplendorosa em um longo vestido azul.

...Os dois já haviam rodado bastante pela estrada, quando finalmente chegaram a uma cidadezinha perdida. Dessas que pululam pelo o interior do país em suas solidões quase absurdas. O caminhão entrou meio trôpego por aquelas ruas de pedras. Loirinha observava a cidade com um misto de curiosidade e tédio. Não havia quase ninguém nas ruas àquela hora. E com aquele frio que fazia... Quando o caminhoneiro se aproximou de uma igrejinha, freou.

– Salta do caminhão, sua vagabunda! – disse rispidamente, empurrando Loirinha.

– Que é isso!? – Loirinha tentou perguntar.

– Vamos! Anda! Pula! Cai fora!

Loirinha assustou-se com aquilo.

– É isso mesmo que você entendeu! – afirmou o caminhoneiro. Procure dar um jeito de sair, pois comigo você não vai mais.

Por um momento, Loirinha não soube o que fazer e dizer, embora compreendesse que aquele homem a despachava de uma maneira estúpida e inesperada. Loirinha pegou então a sua mochila de roupas e, antes de sair, mandou-o tomar no cu. Sentia muita raiva, mas daria um jeito.

Assim que ela saiu, o caminhão partiu veloz.

Loirinha olhou em volta e só viu a igreja com a porta semiaberta. Resolveu que entraria ali para se proteger do frio. Sentia-se muito mal com tudo aquilo e, por uns momentos, ela acreditou que sentiria um pouco de paz e conforto.

(Continua na próxima semana...)

domingo, 6 de novembro de 2011

Luxúria

Cacilda Barbosa



Eu não sou eu, sou tu
Matéria sobre a qual Deus
Talhou teu corpo nu
Tua pele ardente é minha veste
Tua boca minha vertente
És meu verbo viver
Meu lado total indecente
Sou tua mesa minha cama
Na qual ouso te usar
És meu verão ardente
Areia fina escaldante
Onde eu em teu verde mar
Venho em azul o céu desenhar
Roça de leve como gosto
A pele macia em meu seio
Toca meus lábios em beijos
Aperta meu seio em teu peito
Me queima em teu desejar
Desce em fogo ao meu ventre
Te apaga morno silente
Em meu sexo a se derramar
Somos raios brilhantes juntos
O infinito cinza a riscar
Dois seres se consumindo
Astros reais em luxúria
Loucura de amor a criar.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A história de Loirinha 14

Marco Adolfs


– Quero gozar na sua boca! – ordenou o caminhoneiro. Loirinha não respondeu nada. Sabia o que esperar. Continuava a chupar toda a extensão daquele membro volumoso com uma maestria de fazer inveja a prostitutas mais experientes. De vez em quando lhe fazia uma masturbação ritmada. O falo, de tão grosso, quase não cabia em sua boca pequena. Mas ela não parava. Sabia que se quisesse tirar algum proveito daquele homem teria de fazer tudo o que ele lhe pedisse. Loirinha começava a ser prática e funcional em como levar essa vida.

A chupada era perfeitamente exercida por Loirinha enquanto o caminhoneiro, entre gemidos abafados e a expectativa de gozar logo naquela boca, procurava concentrar sua atenção na estrada. O clímax se aproximou então. Loirinha sentiu que o homem iria esporrar a qualquer segundo.

– É agora, minha filha! – disse-lhe o homem, gemendo. – Não tire a boca e engula a porra, ouviu?! – disse ainda, enquanto procurava manter o caminhão na reta da estrada.

Loirinha então acelerou o ritmo. A glande do caminhoneiro em sua boca parecia-lhe um enorme tomate duro a ponto de explodir. Quando o caminhoneiro começou a gozar, Loirinha aguentou firme e procurou engolir logo toda aquela porra. Uma parte, porém, ficara entremeando seus dentes e a língua. Embora viscosa, ela não sentiu nenhuma ânsia de vomitar. Procurou apenas acreditar que aquilo era um alimento qualquer. Quando então retirou a boca e levantou-se, um pouco do sêmen do caminhoneiro escorria pelos cantos de seus lábios. Ela sorriu para o homem.

– Passe a língua e engula o resto – ele disse.

Loirinha obedeceu. O homem então passou um lenço para limpar o seu membro. Lá fora, a estrada era um estirão de solidão e penúria e Loirinha nada sentia de vergonhoso. Para ela, tudo aquilo que fizer era desejável.

– Você é uma boa menina – disse o caminhoneiro, sorrindo em sua direção. Loirinha sorriu de volta.

O caminhão então foi acelerado em direção ao seu destino. O sol estava a pino.

“E o que houve depois?”, perguntei curioso.

“Você já vai saber”, respondeu Loirinha, esmagando mais uma bagana de cigarro no cinzeiro.   

(Continua na próxima semana...)


Voyeurs desde o Natal de 2009