Amigos da Alcova

domingo, 31 de julho de 2016

Lábios que beijei 61


Zemaria Pinto
Kelly



Branca de leite, volumosa de ancas e peitos, olhos amendoados moldados em breu sob a basta cabeleira negra, Kelly trabalhava num restaurante próximo ao banco, onde eu almoçava algumas vezes por semana. Observava de longe seu comportamento expansivo, sorridente, brincalhão. Um dia, perguntei-lhe por que comigo se fechava, séria. Disse que tinha medo de uma reação negativa, pois eu parecia estar sempre com raiva. A resposta saiu num estalo – mas eu não mordo, a não ser que você peça muito. Ela explodiu numa gargalhada, que ecoou estridente no pequeno salão. Casada, mãe de dois pequeninos, os encontros com Kelly exigiam uma logística complicada, antes do expediente – o marido a deixava e a buscava no trabalho, de sorte que, uma vez por semana, ela chegava mais cedo, não sei exatamente com qual desculpa, e dava uma escapulida a um hotel próximo, onde eu a aguardava. Kelly queixava-se que o marido só fazia papai-e-mamãe, pois, de resto, todo o repertório sensual era coisa de puta. Então, só para mim, Kelly vestia a fantasia de puta e, a cada encontro, parecia querer recuperar todo o tempo perdido. Gozava na minha boca – na boceta, no clitóris e no cu – e engolia meu sêmen com sofreguidão quando eu gozava em sua boca; tinha orgasmos múltiplos incontáveis, inclusive anais, e era mestra em inventar as posições mais bizarras. Só uma coisa era interdita: não podia mordê-la – sua pele excessivamente branca manchava com qualquer carinho mais forte. Uma vez, ela pediu-me que lhe desse um chupão na bunda. Dei-lhe dois, um de cada lado, que ficaram roxos. Mais tarde, ela me disse, com uma sonora gargalhada, haver passado uma semana sem mostrar a bunda ao marido, que, aliás, não deve ter sentido falta. Acompanhando o pundonoroso e militar marido, Kelly mudou-se para Fortaleza, mas antes fomos a um motel, na periferia, onde pela primeira vez ficamos mais de uma hora juntos; aliás, ficamos muitas horas, entre lágrimas, sussurros, gritos, gemidos, lambidas e chupões na bunda – e até mesmo na nuca. A voz vibrante de Kelly ainda ecoa, passados mais de 40 anos, nos vales desertos da minha solidão.       


(Para ler outros contos desta série, clique em Lábios que beijei)

sábado, 16 de julho de 2016

Aforismos poéticos – quer pica


Francisco Moniz Barreto (1804-1868)



A mulher, que do marido
Na ausência com tudo implica,
E nos pobres servos malha –
Por dá cá aquela palha –
Quer pica.

A donzela, que tem flatos,
E a todos diz que entisica,
E passa, lendo novelas,
Toda noite, ou nas janelas,
Quer pica.

Moça enferma, que – em remédios
Não tomar – teimosa embica,
Não quer outra medicina,
Quer cristel por onde urina,
Quer pica.

Virgem, que, dando em beata,
Só aos templos se dedica,
Não aspira à eterna glória;
Isso é impostura, é história;
Quer pica.

Noiva, que, assim que anoitece,
Pede o chá; e, mal debica,
Quebrando os olhos, se fila
Do noivo ao ombro, e cochila,
Quer pica.

A viúva, que seus males
A todos, chorando, indica,
A ver se alma piedosa
De novo, a de pronto, a esposa,
Quer pica.

Noviça, que se enfurece,
E como possessa fica,
Por não poder ir à grade
Nem falar c’o primo frade,
Que pica.

Abadessa, ainda fresca,
Que presentes de canjica
E milhos – por São João –
Manda ao padre capelão,
Quer pica.

Quando muito presenteia
Ao pobre a fidalga rica,
Não é por ser liberal,
Não senhores; não há tal;
Quer pica.

Todo homem quer dinheiro,
Todo caralho quer crica,
Toda criança quer mama,
Toda mulher para a cama
Quer pica.

domingo, 3 de julho de 2016

Aforismos poéticos – quer cono


Francisco Moniz Barreto (1804-1868)


Ministro que, vendo moças,
Despe o usual entono,
E quando as escadas desce,
Proteção ampla oferece,
Quer cono.

Potentado que ao pequeno
Afaga, e presta-lhe abono,
Ou que ver se votos pilha,
Ou da mulher, ou da filha,
Quer cono.

Galeno que a certas casas,
Que necessitam d’embono,
E onde há moças bonitas,
Faz, por esmola, visitas,
Quer cono.

Procurador que, de graça
É de viúva patrono,
Serviço não faz ao morto;
Navega para ouro porto;
Quer cono.

Usurário que, de dama
Bonita e bem feita ao dono
Visita, e, por fim, dinheiro
Dá-lhe sem prêmio, matreiro,
Quer cono.

Caixeiro que está na loja
Com requebros de fanchono,
E, do amo à revelia,
Às belas freguesas fia,
Quer cono.

Padre que mais recomenda,
Quando prega, o sexto e o nono,
Menos segue a lei sagrada;
De solteira, ou de casada
Quer cono.

Beato que, quando reza,
Faz visagens, como um mono,
Herói fino de marmotas,
Quer agradar as devotas;
Quer cono.

Jovem casado de fresco,
Que à noite sempre tem sono,
E os olhos nas horas fita,
Afugentando a visita,
Quer cono.

Poeta que ergue em seus cantos
À mulher altar e trono,
De alguma que tem presente,
Ou que traz na acesa mente,
Quer cono.



Voyeurs desde o Natal de 2009