Amigos da Alcova

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Carta a um jovem poeta


Marco Catalão
 

 

Todos os jovens poetas são
ridículos.
Não seriam poetas se não fossem
ridículos.

Também fui em meu tempo um jovem poeta,
como os outros,
ridículo.

Os jovens poetas, se são jovens, e ainda por cima poetas,
tem de ser
ridículos.

Mas, afinal,
só as criaturas que nunca escreveram
versos na juventude
e nunca os publicaram em revistas que nunca duravam mais que três números
é que são
ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
sem dar por isso
poemas exaltados comovidos rebeldes
e ridículos.

A verdade é que hoje
as minhas memórias
desses poemas
é que são
ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
como os sentimentos esdrúxulos,
como os quarentões cheios de escrúpulos,
são naturalmente
ridículas.)


sábado, 2 de novembro de 2013

Os dois corpos



Maria Teresa Horta

 
O peito – o feltro
a curva da cintura

as mãos – os dedos
a lentidão dos braços

da boca
os gomos

da outra boca
os dentes

A laranja
das coxas

o ventre
que entreabres

O vaso
o visco – o suco
do teu corpo

O surto
o sítio – o véu do teu
palato

os pés – o pênis
no sono dos meus ombros

os seios – as pernas
os pulsos
que entreabres

O vidro do desejo
o vinho dos teus olhos

o vagar da arte
dos teus hábitos

O cedo
a seda da pele
das virilhas

na branca sede
da curva dos teus lábios

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