Amigos da Alcova

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

totem


Zemaria Pinto


a língua percorre ávida
o rosto molhado
os olhos cerrados
a boca afogada
os seios em fogo sob a água

minhas pernas sustentando
tuas pernas bailarinas
metamorfose dos corpos
fundidos, totem armado
no quadrilátero âmbar

cantam crianças
pássaros cantam
fulgor na tarde avermelhada
asas-deltas ultraleves
e um blues na sala solitária

a água no corpo
o corpo no corpo
bocas e pernas e mãos
teu gozo estremece
meu corpo
meu sêmen chove de mim

teu dorso incandescente
a parede fria
o grito sufocado
e a alegria
– ah, a alegria
de fazer parte de ti!

domingo, 4 de setembro de 2016

Lábios que beijei 62


Zemaria Pinto
Suely

Amante do pastor de sua igreja, Suely procurou-me no banco em busca de orientação financeira. Sem revelar a origem do dinheiro disponível, ela queria uma proteção contra a inflação descontrolada. Numa época de aplicações instáveis e inseguras, aconselhei-a a comprar dólares no mercado negro – ao qual hoje se aplica o eufemismo de paralelo – e guardá-los no próprio banco, com escrituração e seguro – uma operação limpa e livre de qualquer controle fiscal. Suely era uma mulata vistosa que a roupa típica das crentes não conseguia esconder. Sabendo-se bonita e desejada, sua expressão equilibrava-se entre a caricatura e a sensualidade: as pernas cruzando e descruzando, falava muito baixo, como se estivesse trocando segredos, com uma voz quente e sedosa; seus olhos nunca paravam no mesmo ponto por mais que dois segundos; os dentes brancos sempre à mostra deixavam passar a língua roxa, que ela insistia em deslizar pelos roxos lábios carnudos. Convidei-a para um almoço, que ela recusou dizendo que não poderia ser vista em público. – Não seja por isso, há muitos lugares onde podemos ir sem ser vistos. No início, quis se fazer de ingênua – aí não, nunca fiz isso, não sei como fazer aquilo. Aos poucos, foi se entregando à lascívia que tomava conta de seu belo corpo acastanhado, sem pudores, sem rodeios, sem limites. Não fazíamos amor: fodíamos. Esse verbo estava presente no auge da excitação de Suely – me fode; fode meu cu; fode a boceta da tua nega. Uma ocasião o pastor acompanhou-a até o banco. Não quis sentar-se, olhando para um lado e para o outro, nervoso. Sacou a maior parte dos dólares guardados e saiu quase correndo. Depois soube que a polícia estava em seu encalço, denunciado que fora pelo seu “sócio” na igreja. Poupada, Suely amasiou-se com o segundo pastor e o saldo voltou a crescer com rapidez. Continuamos fodendo muito – até que ela fez uma retirada total e nunca mais deu notícias. 


(Para ler outros contos desta série, clique em Lábios que beijei)

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