Amigos da Alcova

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Posse


Leonor de Almeida

 

Vem cá! Assim, verticalmente!
Achega-te... Docemente...
Vou olhar-te... E, no teu olhar, colher
promessas do que quero prometer,
até à síncope do amor na alma!
Colemos as mãos, palma a palma!
A minha boca na tua, sem beijo...
Desejo-te, até o desejo
se queixar que dói.

E sou tua, assim, como nenhuma foi!

domingo, 19 de agosto de 2012

Canção para a moça clara


Zemaria Pinto





felino sorriso branco
no chão de cal da memória
alva em seu vestido neve
diáfana caçadora
nasce a moça na candura
da manhã feita de anil 

cabelos de longa dança
e suaves tons amarelos
sopram seda sobre o colo
casulo onde a moça guarda
com rigores de clausura
vontades elementares 

à sombra do véu que a veste
adivinho o ventre lânguido
feito de leite e de espuma
quando a moça num meneio
gira em torno da canção
que se revela aos meus olhos 

em largos gestos de adeus
a moça cavalga o vento
gargalhando epifanias
deserdando-me de mim
clara clara plurialva
sob o sol do meio-dia 

(mas os pentelhos da moça
só depois eu pude ver
são da cor noite-sem-lua
selva de negra folhagem
limalha palha fuligem
vertigens de anoitecer)

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O lascivo


António Nobre (1867-1903)



Corpo de ebúrnea pele, ó carne de alva infância!
entorna sobre mim o teu sangue pisado...
enlaça-me o pescoço em voluptuosa ânsia,
como se enlaça a corda à gorja do enforcado!

Morde-me o corpo, flor! Com teus espinhos de aço,
morde-me o olhar que chora e os lábios que dão ais...
Morde-me a fronte, os pés! Arranca-me um pedaço!
Queres auxilio? Pede o sabre aos generais.

Aguça a boca! Afia os dentes como espadas,
Sabá! na pedra amoladora do meu seio
e, após as fundas, cruéis e vermelhas dentadas,
chupa-me o sangue a arder, abre-me o corpo ao meio!

Vamos! Trovões! O meu noivado ilustre!
À Carne! À Ceia! A mesa está posta, anda ver:
o céu aceso de relâmpagos é o lustre:
nosso padrinho, Deus, já o mandou acender...

Os convidados são os tigres, as panteras,
que de Além-Mar vêm assistir às nossas bodas...
E tu, naquela orgia olímpica de feras,
devora-me, também, fera maior que todas!

Ó meu amor! Atende aos meus uivos funéreos!
Piedade! Vem! Sossega-os: dá mais pasto aos leões,
grita: façamos acordar os cemitérios!
E os defuntos uivar dentro dos seus caixões.

Quero-te ver, assim, estatelada, nua,
capaz de seduzir os mortos com desejos...
Ah, que o teu cio chegue aos astros, flor da Rua!
Que Jesus desça à Terra, a cobrir-te de beijos,
que o oceano aperte, enfim, em seus braços a Lua!...

Voyeurs desde o Natal de 2009