Zemaria Pinto
Kelly
Branca de leite, volumosa
de ancas e peitos, olhos amendoados moldados em breu sob a basta cabeleira
negra, Kelly trabalhava num restaurante próximo ao banco, onde eu almoçava
algumas vezes por semana. Observava de longe seu comportamento expansivo,
sorridente, brincalhão. Um dia, perguntei-lhe por que comigo se fechava, séria.
Disse que tinha medo de uma reação negativa, pois eu parecia estar sempre com
raiva. A resposta saiu num estalo – mas eu não mordo, a não ser que você peça
muito. Ela explodiu numa gargalhada, que ecoou estridente no pequeno salão.
Casada, mãe de dois pequeninos, os encontros com Kelly exigiam uma logística
complicada, antes do expediente – o marido a deixava e a buscava no trabalho,
de sorte que, uma vez por semana, ela chegava mais cedo, não sei exatamente com
qual desculpa, e dava uma escapulida a um hotel próximo, onde eu a aguardava. Kelly
queixava-se que o marido só fazia papai-e-mamãe, pois, de resto, todo o
repertório sensual era coisa de puta. Então, só para mim, Kelly vestia a
fantasia de puta e, a cada encontro, parecia querer recuperar todo o tempo
perdido. Gozava na minha boca – na boceta, no clitóris e no cu – e engolia meu
sêmen com sofreguidão quando eu gozava em sua boca; tinha orgasmos múltiplos
incontáveis, inclusive anais, e era mestra em inventar as posições mais bizarras.
Só uma coisa era interdita: não podia mordê-la – sua pele excessivamente branca
manchava com qualquer carinho mais forte. Uma vez, ela pediu-me que lhe desse
um chupão na bunda. Dei-lhe dois, um de cada lado, que ficaram roxos. Mais
tarde, ela me disse, com uma sonora gargalhada, haver passado uma semana sem
mostrar a bunda ao marido, que, aliás, não deve ter sentido falta. Acompanhando
o pundonoroso e militar marido, Kelly mudou-se para Fortaleza, mas antes fomos
a um motel, na periferia, onde pela primeira vez ficamos mais de uma hora
juntos; aliás, ficamos muitas horas, entre lágrimas, sussurros, gritos, gemidos,
lambidas e chupões na bunda – e até mesmo na nuca. A voz vibrante de Kelly
ainda ecoa, passados mais de 40 anos, nos vales desertos da minha solidão.
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