Amigos da Alcova

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

De Catulo a Simão Pessoa – dois mil anos de poesia e escracho 3/5



Zemaria Pinto



Gregório de Matos – Segunda metade do século XVII, Bahia. Gregório de Ma­tos, o Boca do Inferno, é a gargalhada barroca aprisionada durante séculos em sonetinhos de piedade e arrependimento, só recentemente libertada. Gregório escarnece de políticos, do clero, do povo e de si mesmo, dessacralizando modelitos seculares, e criando em língua portuguesa as bases mais sólidas das vanguardas do século XX. A pro­pósito, o cardeal Augusto de Campos apaixona-se:

Há muito mais novidade, mais juventude em Gregório do que em muito blá blá blá de vanguarda que anda por aí. Gregório já rompe os limites entre a poesia de produção e a de consumo: faz poemas requintadíssimos e faz canção popular, vai do grosso ao fino, do bronco ao barroco, com a maior liberdade.

Vejamos alguns fragmentos, como exemplo, das “Queixas Da Sua Mesma Verdade”, onde o poeta define os “maos modos de obrar na governan­ça da Bahia”:

              1 Que falta nesta cidade?..................................................... Verdade
                 Que mais por sua desonra................................................. Honra
                 Falta mais que se lhe ponha............................................... Vergonha


                             O demo a viver se exponha,
                             por mais que a fama a exalta,
                             numa cidade,onde falta
                             Verdade, Honra,Vergonha.


              3 Quais são os seus doces objetos?..................................... Pretos
                 Tem outros bens mais maciços?........................................ Mestiços
                 Quais destes lhe são mais gratos?...................................... Mulatos
                            
                             Dou ao demo os insensatos,
                             dou ao demo a gente asnal,
                             que estima por cabedal
                             Pretos, Mestiços, Mulatos.


              5 E que justiça a resguarda?................................................. Bastarda
                 É grátis distribuída?........................................................... Vendida
                 Que tem,que a todos assusta?.............................................Injusta

                             Valha-nos Deus, o que custa,
                             o que El-Rei nos dá de graça,
                             que anda a justiça na praça
                             Bastarda, Vendida, Injusta.


              7 E nos Frades há manqueiras?............................................ Freiras
                 Em que ocupam os serões?............................................... Sermões
                 Não se ocupam em disputas?.............................................Putas

                             Com palavras dissolutas
                             me concluís na verdade,
                             que as lides todas de um Frade
                             são Freiras, Sermões e Putas.

              9 A Câmara não acode?....................................................... Não pode
                 Pois não tem todo o poder?............................................... Não quer
                 É que o governo a convence?............................................. Não vence


                             Quem haverá que tal pense,
                             que uma Câmara tão nobre
                             por ver-se mísera, e pobre
                             não pode, não quer, não vence.

Quanta atualidade nestes trezentos anos de Gregório!

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