Amigos da Alcova

sábado, 26 de dezembro de 2009

A Manteigui

Bocage (1765-1805)

(Poema em um só canto)

Argumento


Da grande Manteigui, puta rafada,
Se descreve a brutal incontinência;
Do cafre infame a porra desmarcada,
Do cornígero esposo a paciência;
Como à força de tanta caralhada
Perdendo o negro a rígida potência,
Foge da puta, que sem alma fica,
Dando mil berros por amor da pica.


I


Canto a Beleza, canto a putaria
De um corpo tão gentil como profano;
Corpo que, a ser preciso, engoliria
Pelo vaso os martelos de Vulcano;
Corpo vil, que trabalha mais num dia
Do que Martinho trabalhou num ano;
E que atura as chumbadas e pelouros
De cafres, brancos, maratás e mouros.


II


Vênus, a mais formosa entre as deidades,
Mais lasciva também que todas elas,
Tu, que vinhas de Tróia às soledades
Dar a Anquises as mamas e as canelas,
Que gramaste do pai das divindades
Mais de seiscentas mil fornicadelas;
E matando uma vez a crica a sede,
Foste pilhada na vulcânica rede:


III


Dirige a minha voz, meu canto inspira,
Que vou cantar de ti, se a Jacques canto;
Tendo um corno na mão em vez de lira,
Para livrar-me do mortal quebranto.
Tua virtude em Manteigui respira,
Com graça, qual tu tens, motiva encanto;
E bem pode entre vós haver disputa,
Sobre qual é mais bela, ou qual mais puta.


IV


No cambaico Damão, que, escangalhado,
Mamenta a decadência portuguesa,
Este novo Ganós foi procriado,
Peste d’Ásia em luxúria e gentileza.
Que ermitão de cilícios macerado
Pode ver-lhe o carão sem porra tesa?
Quem chapeleta não terá de mono,
Se tudo que ali vê é tudo cono?


V


Seus meigos olhos, que a foder ensinam,
Té nos dedos dos pés tesões acendem:
As mamas, onde as Graças se reclinam,
Por mais alvas que os véus os véus ofendem:
As doces partes, que os desejos minam,
Aos olhos poucas vezes se defendem;
E os Amores, de amor por ela ardendo,
As piças pelas mãos lhes vão metendo.


VI


Seus cristalinos, deleitosos braços,
Sempre abertos estão, não para amantes,
Mas para aqueles só, que, nada escassos,
Cofres lhe atulham de metais brilhantes.
As níveas plantas, quando move os passos,
Vão pisando os tesões dos circunstantes;
E quando em ledo som de amores canta,
Faz-lhe a porra o compasso co’a garganta.


VII


Mas para castigar-lhes a vil cobiça,
O vingativo Amor, como agravado,
Fogo infernal no coração lhe atiça
Por sórdido cafre asselvajado:
Tendo-lhe visto a tórrida linguiça
Mais extensa que os canos dum telhado,
Louca de comichões, a indigna dama
Salta nele, convida-o para a cama.


VIII


Eis o bruto se coça de contente;
Vermelha febre sobe-lhe ao miolo;
Agarra na senhora, impaciente
De erguer-lhe as fraldas, e provar-lhe o bolo.
Estira-a sobre o leito, e, de repente,
Quer do pano sacar o atroz mampolo,
Porém não necessita arrear cabos:
Lá vai o langotim com mil diabos.


IX


Levanta a tromba o ríspido elefante,
A tromba, costumada a tais batalhas,
E apontando ao buraco palpitante,
Bate ali qual ariete nas muralhas:
Ela enganchando as pernas delirante,
“Meu negrinho (lhe diz) quão bem trabalhas!
Não há porra melhor em todo o mundo!
Mete mais, mete mais, que não tem fundo.”


X


“Ah! Se eu soubera (continua o couro
Em torrentes de sêmen já nadando)
Se eu soubera que havia este tesouro,
Há que tempos me estava regalando!
Nem fidalguia, nem poder, nem ouro
Meu duro coração faria brando;
Lavara o cu, lavara o passarinho,
Mas só para foder co’o meu negrinho.”


XI


“Mete mais, mete mais... Ah Dom Fulano!
Se o tivesses assim, de graça o tinhas!
Não viveras em um perpétuo engano,
Pois vir-me-ia também quando te vinhas.
Mete mais, meu negrinho; anda, magano.
Chupa-me a língua, mexe nas maminhas...
Morro de amor, desfaço-me em langonha...
Anda, não tenhas susto, nem vergonha...”


XII


“Há quem fuja da carne, há quem não morra
por tão belo e dulcíssimo trabalho?
Há quem tenha outra ideia, há quem discorra
Em cousa, que não seja de mangalho?
Tudo entre as mãos se me converta em porra,
Quanto vejo transforme-se em caralho:
Porra e mais porra, no verão e no inverno,
Porra até nas profundas do inferno!...”


XIII



“Mete mais, mete mais” (ia dizendo
A marafona ao bruto, que suava,
E convulso fazia estrondo horrendo
Pelo rústico som com que fungava):
“Mete mais, mete mais, que eu estou morrendo!...”
“Mim não tem mais!” O negro lhe tornava;
E triste exclama a bêbada fodida:
“Não há gosto perfeito nesta vida!”


XIV


Neste comenos, o cornaz marido,
O bode racional, veado humano,
Entrava pela câmara atrevido,
Como se entrasse num lugar profano;
Mas vendo o preto em jogos de Cupido,
Eis sai logo, dizendo: “Arre, magano!
Na minha cama! Estou como uma brasa!
Mas, bagatela, tudo fica em casa.”


XV


A foda começada ao meio-dia,
Teve limite pelas seis da tarde;
Veio saltando a ninfa de alegria,
E da sórdida ação fazendo alarde.
O bom consorte, que risonha a via,
Lhe diz: “Estás corada! O Céu te guarde;
Bem boa alpista ao pássaro te coube!
Ora dize, menina, a que te soube?”


XVI


“Cale-se, tolo” (a puta descarada
Grita num tom raivoso e lhe rezinga).
O rei dos cornos a cerviz pesada
Entre os ombros encolhe, e não respinga;
E o courão, da pergunta confiada,
Outra vez com o cafre, e mil se vinga,
Até que ele, faltando-lhe a semente,
Tira-lhe a mama e foge de repente.


XVII


Deserta por temor de esfalfamento,
Deserta por temer que o couro o mate;
Ela então de suspiros enche o vento,
E faz alvorotar todo o Surrate.
Vão procurá-lo de cipais um cento;
Trouxeram-lhe a cavalo o tal saguate:
Ela o vai receber, e o grão Nababo
Pasmou disto, e quis ver este diabo.


XVIII


Pouco tempo aturou de novo em casa
O cão, querendo logo a pele forra,
Pois a puta, co’a crica toda em brasa,
Nem queria comer, só qu'ria porra.
Voou-lhe, qual falcão batendo a asa,
E o courão, sem achar quem a socorra,
Em lágrimas banhadas, acesa em fúria,
Suspira de saudade e de luxúria.


XIX


Courões das quatro partes do universo,
De gálico voraz envenenados!
Se deste canto meu, deste acre verso
Ouvirdes por ventura os duros brados:
Em bando marcial, coro perverso,
Vinde ver um cação dos mais pescados,
Vinde cingir-lhe os louros, e, devotos,
Beijar-lhe as aras, pendurar-lhe os votos.


Courão: prostituta.
Cação: prostituta.
Crica: vagina.
Gálico: referente à sífilis.
Langonha: esperma.
Magano: folgazão, malandro.
Piça: pênis.
Porra: pênis; Bocage usa a palavra sempre com esse sentido, jamais com o de esperma.

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