Amigos da Alcova

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A história de Loirinha 5


Marco Adolfs


Após Loirinha ter se iniciado na prostituição com o moleque da bicicleta, ela não poderia esperar só um pênis apressado e melado entre as pernas. Molecotes desesperados das favelas também podem ser capazes de tudo para exercer a sua libido. E um fato que ela também nunca mais esqueceu – ressaltou –, estava para acontecer dentro de alguns meses a mais. Andando para cima e para baixo com o moleque – como se fossem um casal de namorados –, ela não poderia esperar que um dia o dito cujo, cansado dela, fosse armar um plano de entregá-la a seus amigos.

Tudo aconteceu em um campinho de futebol, atrás da igreja. Ele chegou com ela para o que seria mais uma simples partida de futebol dos moleques. Mas, assim que chegaram no campinho, o molecote gritou para todo mundo ouvir que naquele dia a bola que eles jogariam seria outra. Loirinha a princípio nem desconfiou da armadilha. Mas quando o moleque rasgou o seu vestido, ela então compreendeu tudo. Cercada por mais de quinze adolescentes suados e fedorentos, Loirinha imediatamente percebeu que estava em uma terrível enrascada. A curra demorou o tempo certo para que todos os meninos a fodessem atrás de um monte de lixo que ficava ao lado do campinho de futebol.

O primeiro a comê-la foi um adolescente negro, alto e forte. O goleiro de um dos times. O menino não teve dó. Jogou-a ao chão e começou a meter o pau, duro e grosso, no seu cu. O único alívio imediato que Loirinha teve foi um pouco de cuspe que ele passou no membro, antes de penetrá-la. A visão imediata que ela tinha, era a de um monte de meninos ao seu redor e a se masturbarem na espera da vez. No início, Loirinha procurou aguentar, mas logo sentiu uma dor lancinante parecendo-lhe queimar os intestinos. O garoto metia com tanta violência que ela gritava tentando se desvencilhar. Mas ele pressionava as mãos em suas costas, impedindo-a de qualquer fuga. Quando o goleiro do time gozou e saiu, logo veio um zagueiro magro e curvilíneo, que tinha um pau enorme. Loirinha não teve tempo de esboçar qualquer gesto. O zagueiro virou-a para frente e meteu-lhe o pau com toda a força em sua boceta. Loirinha sentiu que iria ser rasgada em suas entranhas. Nesse momento quase desmaiou.

Depois do zagueiro vieram os outros meninos. Uma sucessão de penetrações apressadas e mordidas e chupadas que a fizeram aguentar firme e com os olhos fechados sem poder sequer se mexer. A dor parecia não mais existir, apenas sentia que de seu corpo saía líquidos e mais líquidos gosmentos. Esperma misturado com sangue.

Loirinha foi deixada, jogada, no monturo de lixo do campinho de futebol, como uma bola furada.

(Continua na próxima semana...)

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Soneto de amor

José Régio (1901-1969)



Não me peças palavras, nem baladas,
nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
deixa cair as pálpebras pesadas,
e entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua... – unidos,
nós trocaremos beijos e gemidos,
sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... – Abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A história de Loirinha 4

Marco Adolfs


Quando na manhã seguinte o molecote cruzou a esquina, topou, logo de cara, com aquela menina loira, curvada e com a saia levantada mostrando o pequeno sexo pronto para ser penetrado. O moleque estancou a bicicleta bem perto dela e vendo que não havia mais ninguém por perto, não teve dúvidas. A primeira coisa que fez foi tirar o pênis para fora do calção e começou a se masturbar. A vontade foi crescendo tanto que ele logo desceu da bicicleta e, com o pênis intumescido ao máximo, enterrou como força na bocetinha da filha do seu Inácio. O vizinho. Logo Loirinha começou a mexer os quadris pros lados. E rebolava e tirava e metia e rebolava tanto que o coitado do moleque começou a gemer até gozar. Loirinha sentiu aquilo tudo acontecendo com um imenso prazer. Pela primeira vez ela percebeu que também tinha um poder nas mãos. Ou melhor, entre as pernas.

Feito o negócio, o garoto limpou o membro e saiu pedalando. Mas antes, disse “te vejo mais tarde”. Loirinha saiu toda alegre e sabedora de que dali para frente tudo seria diferente. Teria o menino mais cobiçado da vizinhança em suas mãos. Mas mal sabia ela o que ainda iria lhe acontecer a partir daquele dia. Se ela confiava tanto em seu poder de sedução e manipulação dos machos, como acabara de perceber, muito ainda haveria de passar através da manipulação deles e de sua boceta. Nem tudo seria apenas prazer em seu caminho. Haveria também muita dor. E para isso, Loirinha teria que ser forte.

Mas, depois que conheci Loirinha, passei a andar com ela como minha prostituta única. Ela era demais. E eu gostava demais dela. Se não fosse uma puta, talvez tivesse até me apaixonado por ela naquele tempo em que a conheci. No motel, depois do sexo, conversávamos bastante. Talvez por ela me achar um cara diferente – “estudado” e carinhoso –, como dizia, ela então falava tanto. Ou talvez pela minha curiosidade em demasia. Hoje fico pensando, com essas perguntas de cunho jornalístico, sou um profissional em busca de escrever a história de sua vida. Que coisa estranha, o destino? Lembro de muitas coisas que conversamos. Mas outras – durante o tempo em que sumimos um do outro –, eu ainda ficaria sabendo. E ficaria estarrecido pelos detalhes.

– Como você vê esse meu começo de vida? – ela perguntou, enquanto eu fazia algumas anotações.

Levantei a cabeça; olhei bem direto no fundo de seus olhos e, por um momento, fiquei sem uma resposta.

– Acho que foi terrível o que você passou, sendo ainda uma criança – finalmente respondi.

– Muitas crianças deixam de ser crianças assim – completou, amarga.

– Mas foi terrível – comentei ainda.

– Foi um começo – observou Loirinha, enigmática.

(Continua na próxima semana...)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Soneto do olho do cu

Paul Verlaine (1844-1896) e Arthur Rimbaud (1854-1891)*


Obscuro e franzido como um cravo roxo,
Humilde ele respira escondido na espuma,
Úmido ainda do amor que pelas curvas suaves
Dos glúteos brancos desce à orla de sua auréola.

Uns filamentos, como lágrimas de leite,
Choraram, ao vento inclemente que os expulsa,
Passando por calhaus de uma argila vermelha,
Para escorrer, por fim, ao longo das encostas.

Muita vez minha boca uniu-se a essa ventosa;
Sem poder ter o coito material, minha alma
Fez dele um lacrimário, um ninho de soluços.

Ele é a tonta azeitona, a flauta carinhosa,
Tudo por onde desce a divina pralina,
Canaã feminino que eclode na umidade.

 

(Trad. Heloisa Jahn)

 

(*) Os quartetos são atribuídos a Verlaine e os tercetos a Rimbaud.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A história de Loirinha 3

Marco Adolfs


– Ela sabe fazer a coisa! – diziam todos os que a haviam levado pra cama. – É boa de mexida e trepa com muita personalidade! – completavam.

Fiquei curioso e desejei conhecê-la. Um amigo a apresentou. Assim que a vi fiquei impressionado com a sua beleza. Alta, loira e desembaraçada. De um olhar felinamente cruel. Fomos a um motel e não me arrependi de nada. Ainda mais pelo fato de que acabamos ficando amigos.

– Como tudo começou? – perguntei, iniciando a gravação.

– Tudo começou com um estupro – ela respondeu, puxando uma baforada de outro cigarro aceso.

A iniciação de Loirinha se deu com o padrasto. Um estupro bem urdido por aquele que se passava por pai.

– Tudo aconteceu – ela me contou –, quando tinha doze anos de idade. Ela até hoje carrega na cabeça as palavras que ele lhe dizia enquanto lhe penetrava... “Mexe a bundinha... Mexe, filhinha...” Palavras que, se nesse início comportavam uma carga de violência; com o tempo tornaram-se preciosas. Loirinha passara a mexer a bundinha como ninguém. Uma coisa que, depois de certo tempo, lhe forneceu a fama entre os homens e muito dinheiro no bolso.

Mas, após ter sido violentada pelo padrasto, Loirinha sentiu muita vergonha e nojo por ter feito aquilo. Passou alguns meses choramingando pelos cantos, enquanto continuava a passar pelas mãos de seu padrasto. Mas ela chorou até o momento exato de perceber e compreender o que acontecia. De perceber que poderia transformar aquilo em uma forma de adquirir vantagens com os homens. Decidiu então que deveria dar aqueles buracos de seu corpo, que seu padrasto tanto gostava, para um menino da vizinhança. Um menino que parecia ter dinheiro e que poderia então pagar por aquilo. Ou então ganhar alguma coisa em troca: um picolé; um short; ou mesmo uma ida ao cinema. Bastava levantar a saia; esperar que aquele troço duro entrasse no seu buraco; e mexer a bundinha. Para frente; para trás e para os lados. E pronto: estava feito o negócio. Quanto àquele líquido gosmento que escorria pelas suas pernas, era só limpar ou sentar em uma privada e esperar que escorresse tudo. Fora assim que aprendera. Seria isso que faria daqui pra frente.

O moleque que ela escolheu foi um negrinho sarará e metido a besta. Filho do dono de um boteco da favela e possuidor de uma bonita bicicleta com um banco na parte de trás. Morava na mesma rua que ela e vivia com muitas garotas na sua garupa. Loirinha sentiu até um prazer todo especial em conquistar aquele menino. Armou então um esquema. Como todas as manhãs o moleque saía cedinho, pedalando a sua bicicleta, para comprar pão, Loirinha pensou que a hora seria a melhor para fisgá-lo em uma esquina. Em troca do que lhe daria, queria exigir dele que largasse as outras meninas e ficasse só com ela.

(Continua na próxima semana...)

sábado, 13 de agosto de 2011

Elegia: indo para o leito

John Donne (1572-1631)


Vem, Dama, vem, que eu desafio a paz;
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.
Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.
Desata esse corpete constelado,
Feito para deter o olhar ousado.

Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
O que ele guarda, quieto, tão de perto.
O corpo que de tuas saias sai
É um campo em flor quando a sombra se esvai.
Arranca essa grinalda armada e deixa
Que cresça o diadema da madeixa.

Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.
Os anjos mostram-se num branco véu
Aos homens. Tu, meu anjo, és como o Céu
De Maomé. E se no branco têm contigo
Semelhança os espíritos, distingo:
O que o meu Anjo branco põe não é
O cabelo mas sim a carne em pé.

Deixa que minha mão errante adentre
Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Minha América! Minha terra à vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha Mina preciosa, meu Império,
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;
Onde cai minha mão, meu selo gravo.

Nudez total! Todo o prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo) sem
Vestes. As jóias que a mulher ostenta
São como as bolas de ouro de Atalanta:
O olho do tolo que uma gema inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.
Como encadernação vistosa, feita
Para iletrados, a mulher se enfeita;

Mas ela é um livro místico e somente
A alguns (a que tal graça se consente)
É dado lê-la. Eu sou um que sabe;
Como se diante da parteira, abre-
Te: atira, sim, o linho branco fora,
Nem penitência nem decência agora.
Para ensinar-te eu me desnudo antes:
A coberta de um homem te é bastante.

(Trad. Augusto de Campos)

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A história de Loirinha 2

Marco Adolfs


Loirinha de repente ficou séria; puxou um cigarro da carteira e o acendeu. Por um momento o seu rosto ficou encoberto por uma fumaça que subia lenta proporcionando-lhe um ar severo.

– Posso começar? – perguntei um pouco apreensivo e agitado.

– Hum, hum – concordou Loirinha. – Quer tomar alguma coisa? – perguntou-me.

– Uma cuba-libre – pedi.

Dito isso, ela levantou-se; foi até o frigobar; tirou uma lata de Coca-cola; uma garrafa de rum e pegou um copo que estava por perto. Começou a misturar as bebidas. Nesse momento pude notar então e melhor que o seu corpo ainda permanecia inteiro. Suas curvas de antes ainda estavam lá. É certo que havia criado um pouco de barriga, mas suas nádegas e pernas ainda podiam atrair olhares.

Voltou trazendo o copo com o drink. Minha bebida preferida.

– Posso começar então? – perguntei mais uma vez.

– Pode – respondeu, sentando a meu lado.

Liguei então o gravador e puxei o meu bloco de anotações do bolso. Minhas mãos estavam suadas e senti um pouco de constrangimento por tudo aquilo que eu iniciava.

– Me fale de como tudo começou? – perguntei.

Este meu trabalho jornalístico começara então dessa forma. Com a vida de Loirinha sendo relembrada através de perguntas pertinentes para a elaboração de uma narrativa. Uma narrativa sobre a vida de uma ex-prostituta. Pois essa fora a vida de Loirinha no passado, e que a levara até ali. Um caminho de pedras enfrentado com muita coragem. E era isso tudo o que eu pretendia relatar. Ou pelo menos quase tudo. Mas para corroborar, nesta reportagem-livro, a sua vida de prostituta, eu resolvera também entrevistar outras, podemos dizer assim, “loirinhas”. Estranhas e verdadeiras histórias de vida que poderiam gerar, talvez, outros livros.

Como o caso da prostituta Kátia, que entrevistei uma noite, após chamá-la através de um anúncio nos classificados de jornal. Kátia não é o seu nome verdadeiro. Era apenas o seu “nome de guerra”, que adotara para trabalhar como prostituta. Tinha vinte e quatro anos e era universitária. Vendia o seu corpo em troca de dinheiro para poder pagar os estudos de enfermagem. Estudos e vida bancados pela necessidade que os homens têm de “meter e gozar”. Uma vez ela deu para três homens. Eles fizeram com ela tudo o que desejaram. Ao final, ainda se masturbaram e despejaram seus sêmens em seu corpo estendido na areia de uma praia deserta. E ela precisava passar por isso. Pedia por isso. E, de vez em quando, chorava por isso. Geralmente se encontrava bêbada nessas horas. Mas no outro dia sentava-se na primeira fileira de cadeiras da faculdade e escutava, com muita atenção, as aulas do curso superior de enfermagem. “Um dia – ela me contou – cuidaria dos corpos dos homens de outra maneira”.

Mas..., conheci Loirinha quando ela começou a trabalhar na prostituição de luxo. Naquele tempo sua carne era nova, quente e tenra. Era uma mulher que aprendera a viver a vida de prostituta com toda a exuberância possível.

(Continua na próxima semana...)

sábado, 6 de agosto de 2011

A duas irmãs também pardas de igual formosura

Gregório de Matos (1633-1696)




  1. Altercaram-se em questão
    Teresa com Mariquita
    sobre qual é mais bonita,
    se Teresa, se Assunção:
    eu tomo por conclusão
    nesta questão altercada,
    que Assunção é mais rasgada,
    e Teresa mais sisuda,
    e se houver, quem a sacuda,
    verá a conclusão provada.
 

  1. Se Teresa é mui bonita
    Mulata guapa, e bizarra,
    com mui bom ar se desgarra
    a mestiça Mariquita:
    ninguém a uma, e outra quita
    serem lindíssimas ambas,
    e o Cupido, que d’entrambas
    quiser escolher a sua,
    escolha, vendo-as na rua,
    que eu para mim quero ambas.
 

  1. As Putas desta cidade,
    ainda as que são mais belas,
    não são nada diante delas,
    são bazófia da beldade:
    são patarata em verdade,
    se já verdade em pataratas,
    porque Brancas, e Mulatas,
    Mestiças, Cabras, e Angolas
    são azeviche em parolas,
    e as duas são duas pratas.
 

  1. Jamais amanhece o dia,
    porque sai a Aurora bela,
    senão porque na janela
    se põem Teresa, e Maria:
    uma manhã, em que ardia
    o sol em luzes divinas,
    pelas horas matutinas
    eu vi Teresa assistir,
    ensinando-a a luzir
    como mestra de meninas.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A história de Loirinha 1

Marco Adolfs


Meu trabalho começou em uma noite chuvosa, quando entrei no bar de Loirinha. Um bar muito frequentado e luminoso do centro da cidade. Um local de bêbados, toxicômanos, prostitutas e perdidos de toda espécie. Uma gente que passava quase todos os dias pelas mesas daquele estabelecimento, como se ali fosse o prolongamento de suas casas; de suas famílias imaginadas; ou mesmo da rua afunilada. Um bar que ficava aberto durante toda a semana e até as altas e solitárias horas da noite e da madrugada. Um local com um som de bolero sempre inundando os ouvidos de todos. O bar era uma casa antiga reformada, com três enormes portas de madeira que davam para um grande salão onde podia se ver diversas mesas dispostas com suas toalhas de xadrez, o que lhe proporcionava levemente um ar de restaurante italiano. À direita tinha um extenso balcão, todo em madeira, onde bêbados solitários costumavam sentar com seus queixumes. Atrás desse balcão viam-se dezenas de garrafas de bebidas expostas em prateleiras de vidro e, por um buraco aberto, a cozinha misteriosa. Caminhando-se pelo bar, nos fundos podia se perceber os banheiros com os nomes “damas” e “cavalheiros”, escritos em plaquetas de acrílico. Naquela noite especial fui convidado a ir até uma sala reservada, bem ao fundo do bar, que servia de escritório. O escritório de Loirinha. Uma sala pequena com uma mesa de tampo de vidro, onde se espalhavam diversos papéis e objetos variados; uma televisão a um canto; um frigobar e um estofado vermelho. Ela ligou o ar-condicionado e sentou-se no estofado, convidando-me para sentar a seu lado. Tirei meu agasalho; depositei o guarda-chuva a um canto e dei um sorriso na direção de Loirinha, agradecendo. Quando finalmente me sentei, senti-me não só aliviado do peso da chuva lá fora, mas também alegre por dar início ao meu trabalho de jornalista que queria escrever um livro sobre a vida de uma pessoa. Eu me sentia um pouco tenso por ter escolhido a vida de uma amiga minha para contar a história. Sabia de antemão que o meu trabalho estaria envolvido por uma carga emocional muito grande Tentava relaxar a minha ansiedade.

Loirinha agora era uma mulher já passando dos quarenta e de um olhar triste e melancólico. Seus cabelos eram longos, sempre amarrados por uma fivela; e seu corpo parecia não ter mudado a silhueta esbelta e bem torneada de mulher sensual. Sua boca, de lábios carnudos, tentava sorrir quando veio até mim. Um sorriso desconfiado e maroto de mulher forte e madura.

– Você não vai mesmo se importar de contar a sua história de vida, vai? – perguntei-lhe logo de imediato, querendo ter uma certeza maior sobre o que eu pretendia iniciar.

– Não tenho nada a esconder – respondeu Loirinha. Em seu rosto transparecia certa frieza e indiferença sinceras.

– Uma vida extraordinária? A minha? Em quantos capítulos? – ela perguntou, esboçando um sorriso cínico.

 – O suficiente para mandar a mensagem – respondi.

            (Continua na próxima semana...)

Voyeurs desde o Natal de 2009