Amigos da Alcova

domingo, 31 de janeiro de 2021

O beco estreito

                                          Leandro Gomes de Barros (1865-1918)

 

 

Mote

Qual será o beco estreito

que três não podem cruzar?

Só entre um, ficam dois,

ajudando a trabalhar!

 

Glosa

Frei Bedegueba dizia

a Frei Manzapo, em disputa:

– Existe uma certa Gruta

onde hei de ter moradia.

Hei de conhece-la um dia,

embora quebre o Preceito.

Vou penetrá-la direito,

para a verdade saber,

pois preciso conhecer

qual será o beco estreito.

 

Dizem que tem pouca altura

e fica no pé dum Monte.

A entrada é uma Fonte:

vou medir sua largura!

Para saber-lhe a fundura

vou lá dentro mergulhar.

Para me certificar,

não podendo entrar os três,

só entra o Cabo-pedrês,

que três não podem cruzar.

 

Um Padre já me contou

que foi dar uma caçada

e, nessa Mata fechada,

viu um Bicho e não matou!

De dentro, uma Voz gritou:

– Padre, dizei-me quem sois!

Podereis entrar depois,

Respondendo ao que pergunto:

Mas, dos três que vejo juntos,

só entre um, ficam dois!

 

Um Monge, de lisa fronte,

também já contou a mim:

– Já brinquei nesse Capim,

já ressonei nesse Monte!

Quase sempre a essa Fonte

Venho eu e mais um Par:

os dois não podendo entrar,

por serem moles e bambos,

entro só, ficam ambos

ajudando a trabalhar!



sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

De volta do baile

Olavo Bilac (1865-1918)

 

Chega do baile. Descansa.

Move a ebúrnea ventarola.

Que aroma de sua trança

Voluptuoso se evola!

 

Ao vê-la, a alcova deserta

E muda até então, em roda

Sentindo-a, treme, desperta,

E é festa e delírio toda.

 

Despe-se. O manto primeiro

Retira, as luvas agora,

Agora as joias, chuveiro

De pedras da cor da aurora.

 

E pelas pérolas, pelos

Rubins de fogo e diamantes,

Faiscando nos seus cabelos

Como estrelas coruscantes.

 

Pelos colares em dobras

Enrolados, pelos finos

Braceletes, como cobras

Mordendo os braços divinos,

 

Pela grinalda de flores,

Pelas sedas que se agitam

Murmurando e as várias cores

Vivas do arco-íris imitam,

 

– Por tudo, as mãos inquietas

Se movem rapidamente,

Como um par de borboletas

Sobre um jardim florescente.

 

Voando em torno, infinitas,

Precipitadas, vão, soltas,

Revoltas nuvens de fitas,

Nuvens de rendas revoltas.

 

E, de entre as rendas e o arminho,

Saltam seus seios rosados,

Como de dentro de um ninho

Dois pássaros assustados.

 

E da lâmpada suspensa

Treme o clarão; e há por tudo

Uma agitação imensa,

Um êxtase imenso e mudo.

 

E, como que por encanto,

Num longo rumor de beijos,

Há vozes em cada canto

E em cada canto desejos…

 

Mais um gesto… E, vagarosa,

Dos ombros solta, a camisa

Pelo seu corpo, amorosa

E sensualmente, desliza.

 

E o tronco altivo e direito,

O braço, a curva macia

Da espádua, o talhe do peito

Que de tão branco irradia;

 

O ventre que, como a neve,

Firme e alvíssimo se arqueia

E apenas embaixo um leve

Buço dourado sombreia;

 

A coxa firme, que desce

Curvamente, a perna, o artelho;

Todo o seu corpo aparece

Subitamente no espelho…

 

Mas logo um deslumbramento

Se espalha na alcova inteira:

Com um rápido movimento

Destouca-se a cabeleira.

 

Que riquíssimo tesouro

Naqueles fios dardeja!

É como uma nuvem de ouro

Que a envolve, e, em zelos, a beija.

 

Toda, contorno a contorno,

Da fronte aos pés, cerca-a; e em ondas

Fulvas derrama-se em torno

De suas formas redondas:

 

E, depois de apaixonada

Beijá-la linha por linha,

Cai-lhe às costas, desdobrada

Como um manto de rainha…

 

Voyeurs desde o Natal de 2009