Amigos da Alcova

domingo, 15 de dezembro de 2013

Outro corpo não



Maria Teresa Horta
 

 
 

Outro corpo não

só canto as tuas pernas

 

a tua boca morna

por dentro da saliva

 

Outros lábios não

só canto a tua língua

 

o teu púbis denso

curvo e em ogiva

 

Outro corpo não

só canto as tuas ancas

 

as tuas coxas magras

duras e compridas

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A canção da vida



Mário Quintana (1906-1994)

 

A vida é louca

a vida é uma sarabanda

é um corrupio...

A vida múltipla dá-se as mãos como um bando

de raparigas em flor

e está cantando

em torno a ti:

Como eu sou bela,

amor!

Entra em mim, como em uma tela

de Renoir

enquanto é primavera,

enquanto o mundo

não poluir

o azul do ar!

Não vás ficar

não vás ficar

aí...

como um salso chorando

na beira do rio...
 
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Carta a um jovem poeta


Marco Catalão
 

 

Todos os jovens poetas são
ridículos.
Não seriam poetas se não fossem
ridículos.

Também fui em meu tempo um jovem poeta,
como os outros,
ridículo.

Os jovens poetas, se são jovens, e ainda por cima poetas,
tem de ser
ridículos.

Mas, afinal,
só as criaturas que nunca escreveram
versos na juventude
e nunca os publicaram em revistas que nunca duravam mais que três números
é que são
ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
sem dar por isso
poemas exaltados comovidos rebeldes
e ridículos.

A verdade é que hoje
as minhas memórias
desses poemas
é que são
ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
como os sentimentos esdrúxulos,
como os quarentões cheios de escrúpulos,
são naturalmente
ridículas.)


sábado, 2 de novembro de 2013

Os dois corpos



Maria Teresa Horta

 
O peito – o feltro
a curva da cintura

as mãos – os dedos
a lentidão dos braços

da boca
os gomos

da outra boca
os dentes

A laranja
das coxas

o ventre
que entreabres

O vaso
o visco – o suco
do teu corpo

O surto
o sítio – o véu do teu
palato

os pés – o pênis
no sono dos meus ombros

os seios – as pernas
os pulsos
que entreabres

O vidro do desejo
o vinho dos teus olhos

o vagar da arte
dos teus hábitos

O cedo
a seda da pele
das virilhas

na branca sede
da curva dos teus lábios

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O que se passa na cama


Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

 

(O que se passa na cama
é segredo de quem ama.)


É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
elaborado na terra
e tão fora deste mundo
que o corpo, encontrando o corpo
e por ele navegando,
atinge a paz de outro horto,
noutro mundo: paz de morto,
nirvana, sono do pênis.


Ai, cama, canção de cuna,
dorme, menina, nanana,
dorme a onça suçuarana,
dorme a cândida vagina,
dorme a última sirena
ou a penúltima... O pênis
dorme, puma, americana
fera exausta. Dorme, fulva
grinalda de tua vulva.
E silenciem os que amam,
entre lençol e cortina
ainda úmidos de sêmen,
estes segredos de cama.


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Você me pega, mulher, com um garoto


Marcial (40? - 104?)


 
Você me pega, mulher, com um garoto,
Vira fera, vocifera: “Por acaso,
Não tenho cu?” Quanta vez, Juno também
Ao lúbrico Júpiter não disse o mesmo,
Mas o Tonante se foi com Ganimedes.
Hércules cobria Hilas, o arco em paz:
A Mégara não tinha bunda? Penava
Pela fugitiva Dafne, Febo: o fogo
Só foi extinto pelo efebo de Esparta.
Bem que Briseida de bruços se pinchava:
Estava mais Aquiles para o amigo imberbe.
Não dê mais nomes masculinos às coisas:
Faça de contas que tem duas bocetas.

 

(Trad. Décio Pignatari)

 

terça-feira, 10 de setembro de 2013

rondel do limão



Luiz Bacellar (1928-2012)



chega o limão

ácido e raro

seivoso e claro

como o verão

o Poeta di-lo

cúpido e ardente

túmido e olente

verde mamilo

 

na toalha branca

de mesa parca

seu brando grumo

empresta ao sal

fino o cristal

do fresco sumo

sábado, 17 de agosto de 2013

Receita de mulher



Vinicius de Moraes (1913-1980)

 

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Eluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como o âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar as pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteia em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se se fechar os olhos
Ao abri-los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O lupanar


Augusto dos Anjos (1884-1914)

 

Ah! Por que monstruosíssimo motivo
Prenderam para sempre, nesta rede,
Dentro do ângulo diedro da parede,
A alma do homem polígamo e lascivo?!
 
Este lugar, moços do mundo, vede:
É o grande bebedouro coletivo,
Onde os bandalhos, como um gado vivo,
Todas as noites, vêm matar a sede!

É o afrodístico leito do hetairismo,
A antecâmara lúbrica do abismo,
Em que é mister que o gênero humano entre,


Quando a promiscuidade aterradora
Matar a última força geradora
E comer o último óvulo do ventre!


 

sábado, 20 de julho de 2013

Você depila peito, braços, pernas


Marcial (40?-104?)
 
 
 
Você depila peito, braços, pernas

E apara em arcos os pentelhos. Dou fé,

Labieno: é pra agradar à namorada

– Mas, e o cu depilado, pra quem é?

 

(Trad. Décio Pignatari)

segunda-feira, 1 de julho de 2013

rondel da jaca



Luiz Bacellar (1928-2012)

 


jaca: entre as frutas

eis a matrona,

esparramada

gorda sultana;

com frouxos bagos

flácido aroma

dá visgo aos lábios

de quem a coma

 

seu jeito lembra

as contorções

moles, lascivas

dos ventres nus

das odaliscas

no harém cativas

sábado, 15 de junho de 2013

Maricota


Rodrigo Della Santina

 
 

Queria Maricota um namorado
Para poder foder em liberdade.
Deixava-se à janela toda tarde
Só para ver passar rapaz galhardo.

Aconteceu de um homem refinado
Um dia se encantar por sua beldade.
Quis-lhe ao Pimenta e, sem disparidade,
Levou-a para ser mulher casada.

Ela pensou que iria todo dia
Foder além da conta. Mas o egrégio
Não na queria assim, mas pra outra vida.

Viveu de Amélia até morrer de tédio.
E, embora não da forma que queria,
A grácil Maricota foi fodida.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Soneto XVII


 
Bocage (1765-1805)

 

Dizem que o rei cruel do Averno imundo
tem entre as pernas caralhaz lanceta,
para meter do cu na aberta greta
a quem não foder bem cá neste mundo:

Tremei, humanos, deste mal profundo,
deixai essas lições, sabida peta,
foda-se a salvo, coma-se a punheta;
este prazer da vida mais jucundo.

Se pois guardar devemos castidade,
para que nos deu Deus porras leiteiras,
senão para foder com liberdade?

Fodam-se, pois, casadas e solteiras,
e seja isto já; que é curta a idade,
e as horas de prazer voam ligeiras.


 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Seios


Cruz e Sousa (1861-1898)

 

Magnólias tropicais, frutos cheirosos
Das árvores do Mal fascinadoras,
Das negras mancenilhas tentadoras,
Dos vagos narcotismos venenosos.

Oásis brancos e miraculosos
Das frementes volúpias pecadoras
Nas paragens fatais, aterradoras
Do Tédio, nos desertos tenebrosos...

Seios de aroma embriagador e langue,
Da aurora de ouro do esplendor do sangue,
A alma de sensações tantalizando.

Ó seios virginais, tálamos vivos
Onde do amor nos êxtases lascivos
Velhos faunos febris dormem sonhando...

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Aparências


Rodrigo Della Santina

 

 

Após tanta insistência, consentiu
A dama que a tivesse o namorado.
Cuidou, sendo o nariz dele alongado,
Que à cama gemeria horas a fio.


Porém, do que esperava pouco viu,
Que o dele era pequeno e o dela, ampliado,
De modo que em lugar tão dilatado
Seu pau nem mesmo entrou logo saiu.


Então lhe disse a dama, já frustrada:
“Mas que nariz mais mentiroso tens!”.
Ao que ele respondeu, dando risada:


“Não deixes teu semblante tão franzido,
Se o meu nariz o teu prazer retém,
O teu, ó dama, foi fiel contigo”.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Extensão e fama do ofício de puta


Tomás de Iriarte (1750-1791)



Não reclames, oh Nise, o teu estado

Se te chamam puta, vaca ou leitoa:

Puta tem sido muita gente boa

E mil milhões de putas têm reinado.

Dido foi puta de um audaz soldado;

Cleópatra foi a puta em pessoa;

E o nome de Lucrécia, que ressoa,

Não é tão bom como se tem pensado.

Essa da Rússia, imperatriz famosa,

Que foi da soldadesca vil gazela,

Morreu fodendo, entre mil, gloriosa!

Vê bem, pois todas dão tão sem cautela...

Faze o mesmo tu, Nise vergonhosa,  

Que isso de virgem e honra é bagatela!


(Trad. Zemaria Pinto)

Obs: comparar com o poema de Bocage, que é da mesma época. Intertextos...


sábado, 30 de março de 2013

A sábia mão a cujo toque ardente


Francisco Villaespesa (1877-1936)




A sábia mão a cujo toque ardente

faz vibrar a carne como um artefato,

prolonga a agonia do contato

em múltipla volúpia intermitente...  

 

Oh, o calor que de teu corpo emana!

Ah, tuas costas nuas e opulentas

pulsando sobre mim, como sedentas

peregrinas passando em caravana!                                    

 

Meus beijos perfumaram o vazio

de um úmido e terrível calafrio...

E sob a cabeleira estremecida

 

em um áureo punhado de serpentes,

senti sangrar e cessar minha vida,

entre o canibalismo de teus dentes!
 
 
(Trad. Zemaria Pinto)

terça-feira, 19 de março de 2013

A holandesa


Almir Diniz

 

Vi, deitada, na borda da piscina,
uma loura holandesa, tez dourada,
parecia uma deusa platinada,
moça feita, com jeitos de menina.

Tudo nela, a rigor, seduz, fascina;
as curvas sensuais; pose estudada;
o talhe firme; a bunda arrebitada;
a coxa lisa e a cintura fina.

Liberta de tabus e preconceitos,
o seu fio dental para se achar
só com binóculo e sem nenhum respeito.

Ventre achatado, curvas e recheios,
tudo é exposto, nada a revelar
mesmo a cova sutil e os belos seios.


                              (Curaçao, 31.1.13)

 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Sonetos Luxuriosos – 2


Aretino (1492-1556)
 
 
 
Aqui toda relíquia se desfruta –
Caralho horrendo, cona resplendente,
Aqui vereis fazer alegremente
O seu ofício muita bela puta. 

Na frente, atrás, em valerosa luta,
E a língua a ir de boca a boca, ardente
– Sucesso mais lendário certamente
Que os feitos de Morgante ou de Marguta. 

Que notável prazer não tereis tido
De ver a cona ou o cu nessa apertura,
Em modos incomuns de ser fodido. 

E como o vaso do odor se satura
Da pimenta ou rapé ali retido
(O mesmo que a espirrar nos apressura), 

Cuidado haveis de ter,
A bordo da barquinha de foder,
Com esse odor que o sátiro conjura.
 
 
 
(Trad. José Paulo Paes)
 
 
Notas:
Morgante – Protagonista do poema homônimo de Luigi Pulci (1432-1484), escritor que pertenceu ao círculo de Lorenzo, o Magnífico. Trata-se de um romance cavalheiresco de tom jocoso, cujo herói é um gigante ingênuo, de força prodigiosa, que acompanha Rolando de Roncesvalles e participa com destaque em diversas aventuras no Oriente.

Marguta – Gigante de feio aspecto e de caráter bufo que serve de escudeiro a Morgante.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Romance do Banho


Elson Farias

                             

 

Era morena tostada,
forte, esbelta como um cão,
os cabelos eram claros
de saboroso castanho;
longas tiras escorriam
na costa vincada  em curvas
– eram cobras encravadas
no dorso de uma raiz;
o calcanhar era firme,
seu andar arroliçado,
as ilhargas mal roçavam
nas pregas da saia fina.

                *

Fendeu-se o cerrado verde
de patativas e anus,
filhos de caba, sol quente,
ventos gerais, água e mel;
ela vinha   – balde, cuia,
dentes expostos, carnudos
os lábios, flor de papoula
a cantar e a se despir.

                 *

Ela vinha, mas menino
balador de passarinhos,
não sabia descobri-la;
pressentia apenas vagos
sons das patas elegantes
dos poldros do meu instinto,
rachando cones de pedra
no meu raciocínio mole.

                  *

Ela esfalfou-se nas águas,
misturou-se com os peixes,
camarões a beliscaram,
escamas, pés, gumes virgens;
o relampejo das palmas
como línguas de uma faca;
a sombra escura no fundo,
as coxas alvas e turvas;
peixes, menina de banho,
anáguas brancas ao sol.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Três beldades me escolheram


Rufino (século II?)



Três beldades me escolheram para julgar-lhes as nádegas


a mim mostradas no esplendor da nudez.


As de uma, florescendo em alvuras veludosas, estavam


marcadas ambas por covinhas graciosas;


a nívea carne das de outra, a de pernas abertas, tinha


rubor mais forte que a púrpura da rosa;


as da terceira, calmaria sulcada de ondas mudas,


palpitavam suaves ao seu próprio impulso.


Se o juiz das deusas, Páris, tivesse visto estas nádegas,


não quereria saber de mais nenhuma.

 

 

(Trad. José Paulo Paes da Antologia Grega).

Voyeurs desde o Natal de 2009