Amigos da Alcova

domingo, 12 de dezembro de 2021

A mulher livre é do meu gosto

 

                         Marcial (40-104)

 

A mulher livre é do meu gosto.

Mas, se não der,

A liberta é a minha mulher.

Mas, se não der,

Serve a escrava – e não lhe cedo o posto

A nenhuma beldade,

Se for belo o rosto

Como o da liberdade.


                       (Tradução: Décio Pignatari)


domingo, 28 de novembro de 2021

Os homens

 Cândida Alves


Os homens

são banais

em suas abstrações

sem nexo

 

Os anjos

são legais

mas não fazem

sexo


domingo, 31 de outubro de 2021

Idílio chique

 Paul Verlaine (1844-1896)

 

A garotinha

sem vacilar

toca punheta

no garotão.

 

O felizardo,

com o tratamento,

goza e cuspinha

pra todo lado.

 

Vendo esse leite

a menina ri

e, curiosa

do que ele seja,

 

cheira uma gota

bem da pontinha.

Pronto! Se anima!

Agora azar!

 

Lambe e relambe

a linda ponta,

depois zás-trás,

põe-se a mamar!

 

Viscondezinho

de não-sei-quê,

não conte a história

pra muita gente,

 

a fina flor

sentimental

de tuas férias

do ano 90:

 

pois tais tumultos

pelos castelos

os teus amigos,

mesmo os mais tolos,

 

bem que podiam,

caso quisessem,

contar-te às dúzias,

sem invenções;

 

e as priminhas,

anjos caídos,

dessas cozinhas

e desses sumos

 

Já são freguesas,

as coitadinhas,

desde que fazem

a comunhão:

 

isso, amiguinhos,

só pra ensaiar

os adultérios

que ainda virão.

 

(Trad. Heloisa Jahn)


domingo, 26 de setembro de 2021

A fruta

 

                                    Laurindo Rabelo ( 1826-1864) 


A minha Márcia tinha

Uma fruta muito bela,

Não no miolo, na casca

Era todo o gosto dela.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Entre dois troncos bem grossos,

A frutinha se escondia,

Às vezes viam-se os troncos,

A fruta nunca se via.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Por mais verde que ela esteja

Sempre tem certa doçura,

Mostra o verdor no tamanho,

Rachada quanto madura.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Antes de tirar-lhe a casca

O meu bem tanto a zelava

Que se eu punha a mão nos troncos

Quase sempre se zangava!

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Duas rainhas mostrava

A natureza só nelas,

Era a rainha das frutas

Com a rainha das belas.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Meu bem, da rival zelosa,

Para sugar-lhe a doçura,

Tinha com força apertado

A boca na rachadura.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Prostrei-me a seus pés, tremendo

Em doce, amoroso abalo,

Exigindo ser pra sempre

Destas rainhas vassalo.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Hesitou Márcia um momento,

Porém eu tanto roguei

Que ali mesmo no jardim

O meu despacho alcancei.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Consentiu, pra que eu sentisse

Desse seu fruto a doçura,

Que eu pusesse a mão no pomo

E a boca na rachadura.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Não, meu bem! dizia ela

Toda pia e resoluta;

Sem falar com o vigário,

Não me toque nesta fruta!

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 


domingo, 12 de setembro de 2021

Exigência

                                               Leila Míccolis

 

Meu homem eu quero,

enquanto puder,

molhado e úmido

como mulher.

sábado, 28 de agosto de 2021

rondel do tucumã

                                                               Luiz Bacellar (1928-2012)

 

do teu minúsculo coquinho

relatam lendas milenárias

brotaram sono, amor, carinho,

a lua e as outras luminárias;

onças e pássaros noturnos,

quanto em teu bojo se escondia

dele fugiu com ares soturnos

enquanto o breu se derretia;

 

tu foste a caixa de Pandora

das tribos bárbaras de outrora

e a cor das asas da graúna

saiu de ti como um trovão

para que a filha da boiúna

pudesse amar na escuridão

 

domingo, 25 de julho de 2021

Taquicardia

 

Eliane Stoducto

 

Delírios de febre,

suor e arrepios,

me toma de assalto

uma taquicardia:

o pulso acelera

assim de repente,

me sinto doente...

 

Os olhos vidrados,

a boca silente.

Sutil calafrio,

qual sombra da morte,

percorre a espinha.

Na louca agonia

espasmos, tremores...

 

É a vida que parte?

São males? São dores?

Que nada...

São só ais de amores...


domingo, 27 de junho de 2021

Embora dos teus lábios afastada

 

Gilka Machado (1893-1980)

 

Embora dos teus lábios afastada

(que importa? – tua boca está vazia…)

beijo esses beijos com que fui beijada,

beijo teus lábios, numa nova orgia.

 

Inda conservo a carne deliciada

pela tua carícia que mordia,

que me enflorava a pele, pois, em cada

beijo dos teus uma saudade abria.

 

Teus beijos absorvi-os, esgotei-os:

Guardo-os nas mãos, nos lábios e nos seios,

numa volúpia imorredoura e louca.

 

Em teus momentos de lubricidade,

beijarás outros lábios, com saudade

dos beijos que roubei de tua boca.

 

domingo, 30 de maio de 2021

Poema das tuas mãos

                                                           Violeta Branca (1915-2000)

 

As tuas mãos nervosas, quentes, largas,

harpejam nos meus sentidos

a música ideal da emoção.

 

Para os teus dedos criadores,

sou o piano mágico vibrando

ao influxo de tua ardente inquietação.

 

Tuas mãos frementes,

arrancam angústias sonorizadas

de meus nervos,

que se retesam como cordas harmoniosas.

 

Tuas mãos imperiosas,

tuas mãos rebeldes,

cantam silenciosas aleluias de gestos,

quando compõem poemas de volúpia,

gritos incontidos de alegria pagã,

correndo ligeiras,

leves,

torturantes,

no teclado branco de meu corpo...


domingo, 16 de maio de 2021

Os quatro elementos – A água

Vinicius de Moraes (1913-1980)


IV – A água

 

A água banha a Amada com tão claros

Ruídos, morna de banhar a Amada

Que eu, todo ouvidos, ponho-me a sonhar

Os sons como se foram luz vibrada.

 

Mas são tais os cochichos e descaros

Que, por seu doce peso deslocada

Diz-lhe a água, que eu friamente encaro

Os fatos, e disponho-me à emboscada.

 

E aguardo a Amada. Quando sai, obrigo-a

A contar-me o que houve entre ela e a água:

– Ela que me confesse! Ela que diga!

 

E assim arrasto-a à câmara contígua

Confusa de pensar, na sua mágoa

Que não sei como a água é minha amiga.

 


domingo, 2 de maio de 2021

Os quatro elementos – O ar

 Vinicius de Moraes (1913-1980)

 

III – O ar

 

Com mão contente a Amada abre a janela

Sequiosa de vento no seu rosto

E o vento, folgazão, entra disposto

A comprazer-se com a vontade dela.

 

Mas ao tocá-la e constatar que bela

E que macia, e o corpo que bem-posto

O vento, de repente, toma gosto

E por ali põe-se a brincar com ela.

 

Eu a princípio, não percebo nada…

Mas ao notar depois que a Amada tem

Um ar confuso e uma expressão corada

 

A cada vez que o velho vento vem

Eu o expulso dali, e levo a Amada:

– Também brinco de vento muito bem!


 

domingo, 18 de abril de 2021

Os quatro elementos – A terra

 Vinicius de Moraes (1913-1980)


II – A terra

 

Um dia, estando nós em verdes prados

Eu e a Amada, a vagar, gozando a brisa

Ei-la que me detém nos meus agrados

E abaixa-se, e olha a terra, e a analisa

 

Com face cauta e olhos dissimulados

E, mais, me esquece; e, mais, se interioriza

Como se os beijos meus fossem mal dados

E a minha mão não fosse mais precisa.

 

Irritado, me afasto; mas a Amada

À minha zanga, meiga, me entretém

Com essa astúcia que o sexo lhe deu.

 

Mas eu que não sou bobo, digo nada…

Ah, é assim… (só penso) Muito bem:

Antes que a terra a coma, como eu.


 

domingo, 4 de abril de 2021

Os quatro elementos – O fogo

 Vinicius de Moraes (1913-1980)


I – O fogo

 

O sol, desrespeitoso do equinócio

Cobre o corpo da Amiga de desvelos

Amorena-lhe a tez, doura-lhe os pelos

Enquanto ela, feliz, desfaz-se em ócio.

 

E ainda, ademais, deixa que a brisa roce

O seu rosto infantil e os seus cabelos

De modo que eu, por fim, vendo o negócio

Não me posso impedir de pôr-me em zelos.

 

E pego, encaro o Sol com ar de briga

Ao mesmo tempo que, num desafogo

Proíbo-a formalmente que prossiga

 

Com aquele dúbio e perigoso jogo…

E para protegê-la, cubro a Amiga

Com a sombra espessa do meu corpo em fogo.


 

Voyeurs desde o Natal de 2009