Amigos da Alcova

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Se você me põe de quatro

Clara Nihil

Se você me põe de quatro
o mundo vira do avesso
pela manhã me retardo
à tarde me desconcerto
à noite desamanheço
se você me põe de quatro

Se você me põe de quatro
me enluaro me alumio
me encouraço e me entreteço
mais que égua sou manada
delirando em pleno cio
se você me põe de quatro

Se você me põe de quatro
o avesso do avesso vira
e o meu corpo macerado
cosmoagoniza no gozo
grita e chora canta e ri
se você me põe de quatro

sábado, 28 de agosto de 2010

Poetriz

Valéria Tarelho



Dentro de mim
mora uma vadia
que trepa com rimas
a troco de poesia

dentro de mim
habita uma pueta
que de esquina em esquina
se estrepa em estrofes
(só se fode)

dentro de mim avança
essa mulher à margem

à minha imagem
e semelhança

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Bom dia

Vivi Fernandes de Lima




Não há bom dia mais perfeito

do que a minha cara de bem comida

refletida no espelho.

domingo, 22 de agosto de 2010

Tô fudido

Chico Doido de Caicó (1922-1991)


Tô fudido
A onça virou jacaré
E botaram a culpa em mim
Tô fudido
O azul ficou vermelho
E botaram a culpa em mim
Tô fudido
O general deu a bunda
E botaram a culpa em mim
Tô fudido
Comeram a mulher do bispo
E botaram a culpa em mim
Tô fudido
Cristo não é mais Cristo
Poesia não é mais poesia
Caicó não é mais Caicó
E botaram a culpa em quem?
Em quem botaram a culpa?
No prefeito de Cruzeta
Que não gosta de buceta?
No delegado de Jardim
Que não gosta de jasmim?
Não não e não
A culpa botaram em mim
Um tal de Chico Doido
Doidão por um xibiu
Quente e aveludado
Com sabor de mel e romã
Quente e aconchegante
Com sabor de mel e manhã
Assim como o xibiu
Da puta Rosalva
A maior devoradora de picas
Que este Chico Doido
Já viu provou e gostou.
Tô fudido
Ou fudido não estou?

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Parto

Laura Esteves


Me pari aos sessenta anos.
Rompi a confortável casca
Onde eu própria me enfiara.

Larguei a casa e a samambaia.
E, com um pavor danado,
Fui ao encontro da aventura.

Sambei. Fiz teatro.
Bebi. Caí na gandaia!
Até arrumei namorado.

Sessenta anos hibernada.
Onde é que já se viu?
Moralismo, convenções...
                                    Para a puta que pariu!

domingo, 15 de agosto de 2010

Ária Più Soave

Anibal Beça (1946-2009)



As minhas mãos são pentagramas
acordando sons no teu corpo.
Ponta de dedos ímã o tato se vai
percutindo notas descobrindo poros
um toque de cheiro no silêncio úmido.

Nos teus cabelos teço a fina partitura
feita de duas claves:
A mão direita
sola um sol agudíssimo
na tua verbena escondida;
a esquerda se faz em fá
o grave fado
o gesto do teu tesão
fala no meu pulsar.

(Um sopro morno fala baixo
no bafo abafado em tua boca)

O suor dos nossos corpos
– enquanto garoa no lençol –
lava por um instante
o tempo de um ritmo sem metrônomo
um cheiro concreto de amêndoas.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Amizade cor-de-rosa

Simão Pessoa



do lugar em que estou me dou inteira

ao teu corpo nu minha paixão gelada

me debruçar em ti sobre teu alvo seio

e esquecer na dor qualquer moral idade

quero pousar meus lábios nessa xana doce

bebendo a volúpia que te grassa tanta

tremeremos lúcidas no mesmo espasmo presas

e nos confundiremos entre carícias vivas

do céu por um clarão no teu desperto sexo

nessa hora de vertigem a sofreguidão é tudo

percebendo aos poucos teu gemer contente

ao lamber ligeira teu clitóris quente

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Teu corpo

Eno Theodoro Wanke (1929-2001)


                                     A thing of beauty is a joy forever
                                                                                                (Keats)

Teu corpo, quando o despes para o amor,
é tudo o que meus olhos querem ver!
Meus pobres olhos, fartos de viver
olhando o mundo feio e incolor...

E quando exibes, luxuriosa, a flor
da tua carne jovem, o meu ser
transmuda-se, no eterno renascer
do sexo – do meu sexo sofredor!

E esqueço, num momento, que lutar
é a Lei Suprema – e sei, de novo, rir
do mundo... esqueço as lágrimas de dor...

E todo o meu impulso é te agarrar,
trazer-te para mim, gozar... Sentir
teu corpo, quando o despes para o amor!

sábado, 7 de agosto de 2010

Não lamentes, oh Nise, o teu estado

Bocage (1765-1805)


Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:

Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cleópatra por puta alcança a coroa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:

Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra é tudo peta.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Três instrumentos

Glauco Mattoso



Mote

Buceta, cu e caralho:
Três instrumentos de foda.


Glosas

Em vez de estudo e trabalho,
A molecada travessa
Tem três coisas na cabeça:
Buceta, cu e caralho!
Na falta da buça, eu calho
E foder-me a boca é moda
A que a turma se acomoda!
A boca dum cego escroto;
A rola e o pé dum garoto:
Três instrumentos de foda!

Já velho, no meu borralho
Nenhum Cinderelo pisa,
Mas meu verso inda pesquisa
Buceta, cu e caralho!
Num piscar, no espaço espalho
(Pois que o “virtual” é moda):
“Sou ninfeta!” – E a peta roda!
Assim gozo, sem que meta:
Verve, internet e punheta,
Três instrumentos de foda!

Fora os olhos, nos quais falho,
Fascinam na anatomia
Dois furos e o que se enfia:
Buceta, cu e caralho.
Já nos versos que trabalho
Cona pouco me incomoda,
Cu mais culto é de outra roda;
Na prática, mesmo, são
Meu pau, meu pé, minha mão
Três instrumentos de foda...

domingo, 1 de agosto de 2010

Visão do paraíso

João Sebastião



Dia desses, distraído
meus olhos se depararam
com a mais bela das visões:
o rego de Catarina
entrevisto num relance
jogou-me em transe transido
das mais loucas sensações:

eu vi Deus descer dos céus
eu vi a terra se abrindo
eu vi crianças brotando
das árvores feito frutos
os autos desgovernados
as casas se incendiando
edifícios desabando
mulheres correndo nuas
homens se digladiando
pássaros mortos chovendo
animais de toda espécie
entre si se devorando

e do lado oposto a Deus
eu vi o próprio Diabo
gigantesco, triunfante
zombando dos olhos meus

Meu Deus, pensei, é possível
que uma visão tão bela
que uma visão tão pura
se torne assim tão terrível?

O rego de Catarina
é o templo de um cuzinho
só possível nos meus sonhos

O rego de Catarina
divide em dois hemisférios
a bunda mais sensual
com a qual posso sonhar

O rego de Catarina
vai descendo vai descendo
até encontrar o mel
que escorre da bocetinha
cujo gosto toda noite
eu teimo em saborear

No rego de Catarina
não há mancha de pecado
(nos meus sonhos manchas há
mas das mordidas que dou
em sua bundinha macia)

No rego de Catarina
só há lugar pra poesia:
é uma floresta de símbolos
é meu jardim de delícias
o cofre do meu prazer

Fechei os olhos com fé:
aquelas visões terríveis
não podiam perdurar.
Aos poucos todo o barulho
foi cessando e o cheiro mau
foi também se esvanecendo

Abri os olhos e vi
estendida sobre a relva
minha doce Catarina
nuinha, me convidando
para deitar junto dela:

lábios de polpa carnuda
peitinhos intumescidos
coxas grossas, coxas fartas
pezinhos tão graciosos
e a bocetinha escondida
entre os pentelhos revoltos

De bruços, pude rever
se abrindo, o rego divino
mostrando o lindo cuzinho
piscando convidativo

(Minha língua percorreu
cada poro desse corpo
que em instantes me levou
do centro do apocalipse
a sentir as sensações
de habitar no paraíso)

Ia alta a madrugada
quando acordei do bom sonho
o coração palpitando
a cama toda esporrada
e o cacete latejando

Voyeurs desde o Natal de 2009