Amigos da Alcova

domingo, 25 de outubro de 2020

Moreninha


Bruno Seabra (1837-1876)


– Moreninha, dás-me um beijo?
– E o que me dá, meu senhor?
– Este cravo...
– Ora, esse cravo!
De que me serve uma flor?
Há tantas flores nos campos!
Hei de agora, meu senhor,
dar-lhe um beijo por um cravo?
É barato; guarde a flor.

– Dá-me o beijo, moreninha,
dou-te um corte de cambraia.
– Por um beijo tanto pano!
Compro de graça uma saia!
Olhe que perde na troca,
Como eu perdera co’a flor;
tanto pano por um beijo...
sai-lhe caro, meu senhor.

– Anda cá... ouve um segredo...
– Ai, pois quer fiar-se em mim?
Deus o livre; eu falo muito,
toda mulher é assim...
E um segredo... ora um segredo...
Pelos modos que lhe vejo
quer o meu beijo de graça.
Um segredo por um beijo?...

– Quero dizer-te aos ouvidos
que tu és uma rainha...
– Acha, pois? E o que tem isso?
Quer ser rei, por vida minha?
– Quem dera que tu quisesses...
– Não duvide, que o farei;
meu senhor, case com ela,
a rainha o fará rei...

Casar-me?... Inda sou tão moço...
– Como é criança esta ovelha!
Pois eu p’ra beijar crianças,
adeusinho, já sou velha!



segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Opiniões

Guimarães Passos (1867-1909)

 

Um filósofo dizia

A um seu amigo querido,

Que jamais compreendia

Como um amante queria

Sempre o gozo repetido.

 

“É um abuso! E eu sempre vejo

A mesma coisa gozada

Ter sempre maior desejo,

Pois se o beijo é o mesmo beijo,

O beijo não vale nada...

 

Onde está a novidade?

O que ontem foi, hoje é.

Falo com sinceridade:

Não compreendo a vontade...

Você, que diz, seu José?”

 

Diz o outro: “Seu Raimundo,

Cada qual tem sua norma

De gozar por este mundo:

A mesma coisa no fundo,

É diferente na forma”.

 

 

Voyeurs desde o Natal de 2009