Amigos da Alcova

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

De volta do baile

Olavo Bilac (1865-1918)

 

Chega do baile. Descansa.

Move a ebúrnea ventarola.

Que aroma de sua trança

Voluptuoso se evola!

 

Ao vê-la, a alcova deserta

E muda até então, em roda

Sentindo-a, treme, desperta,

E é festa e delírio toda.

 

Despe-se. O manto primeiro

Retira, as luvas agora,

Agora as joias, chuveiro

De pedras da cor da aurora.

 

E pelas pérolas, pelos

Rubins de fogo e diamantes,

Faiscando nos seus cabelos

Como estrelas coruscantes.

 

Pelos colares em dobras

Enrolados, pelos finos

Braceletes, como cobras

Mordendo os braços divinos,

 

Pela grinalda de flores,

Pelas sedas que se agitam

Murmurando e as várias cores

Vivas do arco-íris imitam,

 

– Por tudo, as mãos inquietas

Se movem rapidamente,

Como um par de borboletas

Sobre um jardim florescente.

 

Voando em torno, infinitas,

Precipitadas, vão, soltas,

Revoltas nuvens de fitas,

Nuvens de rendas revoltas.

 

E, de entre as rendas e o arminho,

Saltam seus seios rosados,

Como de dentro de um ninho

Dois pássaros assustados.

 

E da lâmpada suspensa

Treme o clarão; e há por tudo

Uma agitação imensa,

Um êxtase imenso e mudo.

 

E, como que por encanto,

Num longo rumor de beijos,

Há vozes em cada canto

E em cada canto desejos…

 

Mais um gesto… E, vagarosa,

Dos ombros solta, a camisa

Pelo seu corpo, amorosa

E sensualmente, desliza.

 

E o tronco altivo e direito,

O braço, a curva macia

Da espádua, o talhe do peito

Que de tão branco irradia;

 

O ventre que, como a neve,

Firme e alvíssimo se arqueia

E apenas embaixo um leve

Buço dourado sombreia;

 

A coxa firme, que desce

Curvamente, a perna, o artelho;

Todo o seu corpo aparece

Subitamente no espelho…

 

Mas logo um deslumbramento

Se espalha na alcova inteira:

Com um rápido movimento

Destouca-se a cabeleira.

 

Que riquíssimo tesouro

Naqueles fios dardeja!

É como uma nuvem de ouro

Que a envolve, e, em zelos, a beija.

 

Toda, contorno a contorno,

Da fronte aos pés, cerca-a; e em ondas

Fulvas derrama-se em torno

De suas formas redondas:

 

E, depois de apaixonada

Beijá-la linha por linha,

Cai-lhe às costas, desdobrada

Como um manto de rainha…

 

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