Marco Adolfs
Muito ainda Loirinha fez na sua vida de prostituta, posso dizer. Muitas e muitas laudas, ainda foram escritas por mim, sobre as suas estripulias sexuais. Tanto, que deu material para um livro. Resolvi relatar, aqui neste espaço, bem menos de um terço de tudo. Só posso dizer agora que os anos mais recentes de sua vida foram em perfeita paz. Apesar de todas as dificuldades, conseguira comprar alguns imóveis, de se estabelecer. Tinha uma conta bancária razoável e havia vencido a tudo e a todos. Um dia, justamente o dia em que resolvi lhe fazer as entrevistas, ela me disse que “cansara de mexer a bundinha”. O seu descanso era espiritual, percebi. Começou a chorar no meu ombro. E de sua boca começou a sair uma confissão. “Minha vida, se fosse escrita, daria um livro”, foi a primeira coisa que falou. “Então porque não escrever?”, pensei. E foi o que fiz. Mas o mais estranho de tudo, na busca desse tempo perdido e reencontrado através das letras, da vida Loirinha, ainda haveria de acontecer. Aconteceu quando eu achei que havia chegado ao fim do meu trabalho de captação jornalística. Aconteceu em certo domingo quando, durante um final de tarde, eu me encontrava sentado na ampla sacada de seu apartamento, localizado na frente de uma praia muito conhecida. Havíamos almoçado juntos naquele dia. E, naquela hora em que tudo aconteceu, o sol esmaecia entre nuvens vermelhas no horizonte e um vento ameno acariciava as nossas faces. Os olhos azuis de Loirinha fitavam aquele horizonte como que em busca de repouso. Algumas rugas acentuavam ainda mais a sua maturidade. O silêncio era quase total. Fumávamos. Ela, um cigarro; eu, o charuto de sempre. Ao lado, duas taças de vinho tinto. Foi quando ela resolveu quebrar o silêncio.
– Não me arrependo de nada. Mas agora eu vou te pedir uma coisa... Mas, primeiro, deixa eu lhe dizer mais uma coisa... Agora eu me lembrei muito bem... que..., que, quando eu estava sendo estuprada por aqueles meninos, no campinho de futebol, a única coisa que eu conseguia ver; vislumbrar... em meio àquele turma de cretinos era... era..., uma cruz... A cruz de uma igrejinha que ficava nos fundos daquele campo de futebol... E uns raios de sol... Lembro bem, saindo por detrás dela...
(Final de A história de Loirinha, na próxima semana...)