Amigos da Alcova

terça-feira, 9 de março de 2010

O reizinho gay

Hilda Hilst (1930-2004)



Mudo, pintudão

O reizinho gay

Reinava soberano

Sobre toda nação.

Mas reinava...

APENAS...

Pela linda peroba

Que se lhe adivinhava

Entre as coxas grossas.

Quando os doutos do reino

Fizeram-lhe perguntas

Como por exemplo

Se um rei pintudo

Teria o direito

De somente por isso

Ficar sempre mudo

Pela primeira vez

Mostrou-lhes a bronha

Sem cerimônia.

Foi um Oh!!! geral

E desmaios e ais

E doutos e senhoras

Despencaram nos braços

De seus aios.

E de muitos maridos

Sabichões e bispos

Escapou-se um grito.

Daí em diante

Sempre que a multidão

Se mostrava odiosa

Com a falta de palavras

Do chefe da Nação

O reizinho gay

Aparecia indômito

Na rampa ou na sacada

Com a bronha na mão.

E eram ós agudos

Dissidentes mudos

Que se ajoelhavam

Diante do mistério

Desse régio falo

Que de tão gigante

Parecia etéreo.

E foi assim que o reino

Embasbacado, mudo

Aquietou-se sonhando

Com seu rei pintudo.

Mas um dia...

Acabou-se da turba a fantasia.

O reizinho gritou

Na rampa e na sacada

Ao meio-dia:

Ando cansado

De exibir meu mastruço

Pra quem nem é russo.

E quero sem demora

Um buraco negro

Pra raspar meu ganso.

Quero um cu cabeludo!

E foi assim

Que o reino inteiro

Sucumbiu de susto.

Diante de tal evento...

Desse reino perdido

Na memória dos tempos

Só restaram cinzas

Levadas pelo vento.



Moral da estória:

a palavra é necessária

diante do absurdo.

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