Amigos da Alcova

domingo, 30 de julho de 2023

Ode

 Soror Violante do Céu (1601-1693)

 

Amante pensamento,

Núncio de amor, terceiro de vontade,

Emulação do vento,

Lisonja da mais triste soledade;

Ministro da lembrança,

Gosto na posse, alívio na esperança,

 

Já que de minhas queixas

A causa idolatrada vás seguindo,

Dize-lhe qual me deixas,

Dize-lhe que estou morta, mas sentindo,

Que pode mal tão forte

Fazer que sinta, ai triste, a mesma morte.

 

Dize-lhe que é já tanto

O pesar de me ver tão dividida,

Que só me causa espanto

A sombra que me segue de uma vida

Tão morta para o gosto

Como viva, ai de mim, para o desgosto!

 

Dize-lhe que me mata

Quem, vendo-me morrer sem resistência,

De socorrer-me trata,

Pois, para quem padece o mal d’ausente,

Que é só remédio, entendo,

Ver o que quer, ou fenecer querendo.

 

Dize-lhe que a memória

Toma por instrumento do meu dano

A já passada glória;

Fazendo o mais suave tão tirano,

Que obtém mais estimado.

Me passa o coração, porque é passado.

 

Dize-lhe que se sabe

O poder de uma ausência rigorosa,

Que a que começa acabe,

Antes que ela me acabe poderosa;

Pois de tal modo a sinto,

Que julgo por eterno o mais sucinto.

 

Dize-lhe que se admite

Rogos de um coração que o segue amante,

Que ver-me solicite,

Apesar do preciso e do distante;

E que tão cedo seja,

Que toda a paixão se torne inveja.

 

Dize-lhe que se acorde

De uns efeitos d’amor que encarecia;

E que todos recorde;

Mais que seja um minuto cada dia,

Pois, eu cada minuto,

Infinitas lembranças lhe tributo.

 

Dize-lhe que até a morte

Assistência contínua lhe ofereces

E que te invejo a sorte;

E enfim se do meu mal te compadeces

Oh, pensamento amigo,

Dize-lhe tudo, ou leva-me contigo.

 

Voyeurs desde o Natal de 2009