Amigos da Alcova

domingo, 16 de julho de 2023

Cantares de Sulamita


Dalton Trevisan

 

Cantar 2

 

Ó não amado meu

moça honesta já não sou

e como poderia

se você me corrompeu até os ossos

ao deslizar a mão sob a minha calcinha

acariciou a secreta penugem arrepiada?

 

como seria honesta

se você me deitou nos teus braços

abriu cada botão da blusa

sussurrando putinha no ouvido esquerdo?

 

se pousou delicadamente sem pressa

a ponta dos dedos nos meus mamilos

até que ficassem duros altaneiros

apontando em riste só para você?

 

maneira não há de ser moça direita

depois de ter as bochechas da nalga

mordidas por teu canino afiado

que gravou em brasa para sempre

com este sinal sou tua

 

não nenhum resto de pureza

assim que descerrou os meus lábios

dardejando a tua língua poderosa

na minha enroscada em nó cego

 

como ser mocinha séria

depois de beijar todinho o teu corpo

com medo com gosto com vontade

de joelho descabelada mão posta

à sombra do cedro colosso do Líbano

mil escudos e troféus pendurados

 

é possível ser moça de família

se me sinto a rosa de Sarom

orvalhada da manhã

com um só toque do teu terceiro quirodáctilo?

 

ai precioso amado querido

meu corpo tem memória e febre

meu puto me abrace me beije

sirva-se tire sangue me rasgue inteira

satisfaça a tua e a minha fome

finca o teu pendão estrelado

onde ele deve estar

 

oh não meu príncipe senhor da guerra

mocinha séria já não sou

me boline devagarinho

no uniforme de gala da normalista

atenção às luvas brancas de renda

me derrube na tua cama

de lado supina de bruços

 

me desnude diante do espelho

me arrume de pé dentro do armário

me ponha de quatro

me faça de carneirinha viciosa do bruto pastor

me violente sem dó com firmeza

só isso mais nada

 

sim bem-querido meu

sou putinha feita pra te servir

me abuse desfrute se refocile

 

quero sim apanhar de chicotinho

obedecer a ordens safadas

submissa a todos os teus caprichos

taras perversões fantasias

quais são? como são? onde são?

 

me diga como posso ir à igreja

de véu no rosto Bíblia na mão

se você afastou com dois dedos firmes e doces

o mar vermelho entre as minhas pernas

expondo à vista ao ataque frontal

meu corpinho ansioso e assustado

me estuprou me currou me crucificou?

 

quando separou os joelhos

abrindo as minhas coxas

um querubim fogoso

de delícias me cobriu

com sua terceira asa de sarça ardente

 

como ser moça ingênua

se antes sou uma grande vadia

o teu exército com fanfarras desfilando

na minha cidadela arrombada?

 

ai quero te dar até o que não tenho

amado meu santuário meu

quero ser a tua cadelinha mais gostosa

como nunca terá igual

serei vagabunda eu juro

todas as posições diferentes

todos os gemidos gritos palavrões

todas as preces atendidas

 

desfaleço de desejo por você só você

montar o teu corpo cândido e rubincundo

é galopar no céu

entre corcéis empinados relinchantes

 

vem ó princesa minha

depressa vem ó doce putinha

aos gritos fortes do rei que batem à porta

o meu coração se move

salta de um a outro lado do peito

já se derretem as minhas entranhas

o rosto do amor floresce nesse copo d'água

 

eu sou tua você é meu

por você inteirinha me perco

quem fez de mim o que sou?

 

sim amado meu

sou virgem princesa concubina

égua troteadora no carro do Faraó

vento norte água viva

sou rameira tua rampeira Sulamita

lírio-do-vale pomba branca

morrendinha de tanto bem-querer

até que sejamos um só corpo

um só amor

um só

 

Voyeurs desde o Natal de 2009