Amigos da Alcova

domingo, 14 de fevereiro de 2010

A origem do mênstruo

Bernardo Guimarães (1825-1884)


(De uma fábula inédita de Ovídio, achada nas escavações de Pompeia
e vertida em latim vulgar por Simão de Nântua.)

’Stava Vênus gentil junto da fonte
              Fazendo o seu pentelho,
Com todo o jeito, p’ra que não ferisse
              Das cricas o aparelho.

Tinha que dar o cu naquela noite
              Ao grande pai Anquises,
O qual, com ela, se não mente a fama,
              Passou dias felizes...

Rapava bem o cu, pois resolvia
              Na mente altas ideias:
– Ia gerar naquela heróica foda
              O grande e pio Eneias.

Mas a navalha tinha o fio rombo,
              E a deusa, que gemia,
Arrancava os pentelhos e, peidando,
              Caretas mil fazia!

Nesse entretanto a ninfa Galateia,
              Acaso ali passava,
E vendo a deusa assim tão agachada,
              Julgou que ela cagava...

Essa ninfa travessa e petulante
              Era de gênio mau,
e por pregar um susto à mãe do Amor
              Atira-lhe um calhau...

Vênus se assusta. A branca mão mimosa
              Se agita alvoroçada,
E no cono lhe prega (oh! caso horrendo!)
              Tremenda navalhada.

Da nacarada cona, em sutil fio,
              Corre purpúrea veia,
E nobre sangue do divino cono
              as águas purpureia...

(É fama que quem bebe dessas águas
              Jamais perde a tesão
E é capaz de foder noites e dias,
              Até no cu de um cão!)

– “Ora porra” – gritou a deusa irada,
              E nisso o rosto volta...
E a ninfa, que conter-se não podia,
              Uma risada solta.

A travessa menina mal pensava
              Que, com tal brincadeira,
Ia ferir a mais mimosa parte
              Da deusa regateira...

– “Estou perdida!” – trêmula murmura
              A pobre Galateia,
vendo o sangue correr do róseo cono
              Da poderosa deia...

Mas era tarde! A Cípria, furibunda,
              Por um momento a encara,
E, após instantes, com severo acento,
              Nesse clamor dispara:

“Vê! Que fizeste, desastrada ninfa,
              Que crime cometeste!
Que castigo há no céu, que punir possa
              Um crime como este?!

Assim, por mais de um mês inutilizas
              O vaso das delícias...
E em que hei de gastar das longas noites
              As horas tão propícias?

Ai! Um mês sem foder! Que atroz suplício...
              Em mísero abandono,
Que é que há de fazer, por tanto tempo,
              Este faminto cono?...

Ó Adônis! Ó Júpiter potentes!
              E tu, Mavorte invito!
E tu, Aquiles! Acudi de pronto
              Da minha dor ao grito!

Este vaso gentil que eu tencionava
              Tornar bem fresco e limpo
Para recreio e divinal regalo
              Dos deuses do Alto Olimpo.

Vede seu triste estado, ó! Que esta vida
              Em sangue já se esvai-me!
Ó Zeus, se desejais ter foda certa
              Vingai-vos e vingai-me!

Ó ninfa, o cono teu sempre atormente
              Perpétuas comichões,
E não aches jamais quem nele queira
              Vazar os seus colhões...

Em negra podridão imundos vermes
              Roam-te sempre a crica
E à vista dela sinta-se banzeira
              A mais valente pica!

De eterno esquentamento flagelada,
              Verta fétidos jorros,
Que causem tédio e nojo a todo mundo,
              Até mesmo aos cachorros!”

Ouviu-lhe estas palavras piedosas
              Do Olimpo o Grão Tonante,
Que em pívia ao sacana do Cupido
              Comia nesse instante...

Comovido no íntimo do peito,
              Das lástimas que ouviu,
manda ao menino que, de pronto, acuda
              À puta que o pariu...

Ei-lo que, pronto, tange o veloz carro
              De concha alabastrina,
Que quatro aladas porras vão tirando
              Na esfera cristalina.

Cupido que as conhece e as rédeas bate
              Da rápida quadriga,
Co’a voz ora as alenta, ora co’a ponta
              Das setas as fustiga.

Já desce aos bosques, onde a mãe, aflita,
              Em mísera agonia,
Com seu sangue divino o verde musgo
              De púrpura tingia...

No carro a toma e num momento chega
              À olímpica morada,
Onde a turba dos deuses, reunida,
              A espera consternada!

Já Mercúrio de emplastros se a aparelha
              Para a venérea chaga,
Feliz porque naquele curativo
              Espera certa a paga...

Vulcano, vendo o estado da consorte,
              Mil pragas vomitou...
Marte arranca um suspiro que as abóbadas
              Celestes abalou...

Sorriu o furto a ciumenta Juno,
              Lembrando o antigo pleito,
E Palas, orgulhosa lá consigo,
              Resmoneou: – “Bem-feito!”

Coube a Apolo lavar dos roxos lábios
              O sangue que escorria,
E de tesão terrível assaltado,
              Conter-se mal podia!

Mas, enquanto se faz o curativo,
              Em seus divinos braços,
Jove sustém a filha, acalentando-a
              Com beijos e com abraços.

Depois, subindo ao trono luminoso,
              Com carrancudo aspeto,
E erguendo a voz troante, fundamenta
              E lavra este DECRETO:

– “Suspende, ó filha, os lamentos justos
              Por tão atroz delito,
Que no tremendo Livro do Destino
              De há muito estava escrito.

Desse ultraje feroz será vingado
              O teu divino cono,
E as imprecações que fulminaste
              Agora sanciono.

Mas, inda é pouco: – a todas as mulheres
              Estenda-se o castigo
para expiar-te o crime que esta infame
              Ousou para contigo...

Para punir tão bárbaro atentado,
              Toda humana crica,
De hoje em diante, lá de tempo em tempo,
              Escorra sangue em bica...

E por memória eterna chore sempre
              O cono da mulher,
Com lágrimas de sangue, o caso infando,
              Enquanto mundo houver...”

Amém! Amém! com voz atroadora
              Os deuses todos urram!
E os ecos das olímpicas abóbadas,
              Amém! Amém! sussurram...

Voyeurs desde o Natal de 2009