Gilka Machado (1893-1980)
Muitas
vezes, a sós, eu me analiso e estudo,
os
meus gostos crimino e busco, em vão torcê-los;
é
incrível a paixão que me absorve por tudo
quanto
é sedoso, suave ao tato: a coma... Os pelos...
Amo
as noites de luar porque são de veludo,
delicio-me
quando, acaso, sinto, pelos
meus
frágeis membros, sobre o meu corpo desnudo
em
carícias sutis, rolarem-me os cabelos.
Pela
fria estação, que aos mais seres eriça,
andam-me
pelo corpo espasmos repetidos,
às
luvas de camurça, às boas, à peliça...
O
meu tato se estende a todos os sentidos;
sou
toda languidez, sonolência, preguiça,
se
me quedo a fitar tapetes estendidos.
***
Tudo
quanto é macio os meus ímpetos doma,
e
flexuosa me torna e me torna felina.
Amo
do pessegueiro a pubescente poma,
porque
afagos de velo oferece e propina.
O
intrínseco sabor lhe ignoro, se ela assoma,
no
rubor da sazão, sonho-a doce, divina!
gozo-a
pela maciez cariciante, de coma,
e
o meu senso em mantê-la incólume se obstina...
Toco-a,
palpo-a, acarinho o seu carnal contorno,
saboreio-a
num beijo, evitando um ressábio,
como
num lento olhar te osculo o lábio morno.
E
que prazer o meu! que prazer insensato!
–
pela vista comer-te o pêssego do lábio,
e
o pêssego comer apenas pelo tato.