Murilo
Mendes (1901-1975)
Clotilde,
moça morena e sacudida,
Fica
a tarde inteira na janela
Olhando
a reta interminável da rua.
Todas
as irmãs dela se casaram.
Clotilde
fica esperando,
Esperando
não sei quem.
Quando
alguma moça se casa no bairro
Clotilde
vai à igreja espiar,
Volta
com os olhos maiores.
Nesse
dia
Ela
não fala com ninguém.
Quando
nasce um sobrinho de Clotilde
Ela
estremece da cabeça aos pés.
A
noite chega
Remexendo
os quadris.
Os
casais passam na rua
Engolindo
sombras, tontos de calor e de amor.
O
cheiro das magnólias
Abafa
debaixo do cheiro dos sovacos.
A
curva do mar balança.
Uns
sons de maxixe violento
Vêm
do clube “Jasmin do Amor”.
A
moça morena cisma na cama.
De
repente
Um
golpe de vento brusco
Entra
com força no quarto,
Suspende
árvores lá fora, quebra a vidraça.
Um
ruído vem rodando vem rodando.
E
uma visagem
Sem
cheiro nem cor nem peso
Planta-se
em frente de Clotilde.
As
meias caem das pernas da moça,
A
combinação de rendas cai do seu corpo.
A
visagem fala.
“Mulher
eu vim te buscar
Para
as núpcias do fogo.
Haverias
de ficar
Toda
a vida na janela
Consumindo
tua beleza?
O
volume do teu seio
Pede
o ímã de outros dedos...
O
cheiro do teu cabelo
Não
é feito pro travesseiro.
A
noite do teu sovaco
Não
é feita pra amanhecer.
O
sangue de tuas veias
Noutro
corpo há de ferver.
O
teu hálito cheiroso
Outro
tem que o respirar.
A
luz grande de teus olhos
Vai
nascer em outros olhos.
Vou
te levar pro teu noivo
Que
há muito tempo te espera
Desde
antes tu nasceres.
Ele
é forte e bonitão,
A
mulher que olhou pra ele
Sente
logo um arrepio.
Há
muito tempo teu corpo
Pede
alguém que te complete,
Venha
do mar ou da terra,
Venha
do fogo ou do céu.
Isto
muito bem se lê
Na
reza do teu olhar.
Dize
adeus a Botafogo,
Ao
retrato da tua mãe
Que
eu vou te levar agora
Para
as núpcias do fogo.”
Houve
um silêncio maior
Do
que o existente no mundo
Antes
da invenção das radiolas.
E
nunca mais ninguém viu
Clotilde
nem a visagem.