Amigos da Alcova

sábado, 31 de janeiro de 2015

O lavar depois importa


Gregório de Matos (1633-1696)

  
Vendo-se finalmente em uma ocasião tão perseguida esta dama do poeta (Babu), assentiu no prêmio de suas finezas; com condição porém, que se queria primeiro lavar; ao que ele respondeu com a sua costumada jocosidade.



1    O lavar depois importa,
      porque antes em água fria
      estarei eu noite e dia
      batendo-vos sempre à porta:
      depois que um homem aporta,
      faz bem força por entrar,
      e se hei de o postigo achar
      fechado com frialdade,
      antes quero a sujidade,
      porque enfim me hei de atochar.

2    Não serve o falar de fora,
      Babu, vós bem o sabeis,
      dai-me em modo, que atocheis,
      e esteja ele sujo embora:
      e se achais, minha Senhora,
      que estes são os meus senãos,
      não fiquem meus gostos vãos,
      nem vós por isso amuada,
      que ou lavada, ou não lavada
      cousa é, de que levo as mãos.

 3    Lavai-vos, minha Babu,
       cada vez que vós quiseres,
       já que aqui são as mulheres
       lavandeiras do seu cu:
       juro-vos por Belzebu,
       que me dava algum pesar
       vosso contínuo lavar,
       e agora estou nisso lhano,
       pois nunca se lava o pano,
       senão para se esfregar.

 4    A que se esfrega amiúdo
       se há de amiúdo lavar,
       porque lavar e esfregar
       quase a um tempo se faz tudo:
       se vós por modo sisudo
       o quereis sempre lavado,
       passe: e se tendes cuidado
       de lavar o vosso cujo
       por meu esfregão ser sujo,
       já me dou por agravado.

5    Lavar a carne é desgraça
      em toda a parte do Norte,
      porque diz que dessa sorte
      perde a carne o sal e graça:
      e se vós por esta traça
      lhe tirais ao passarete
      o sal, a graça e o cheirete,
      em pouco a dúvida topa,
      se me quereis dar a sopa,
      dai-ma com todo o sainete.

 6   Se reparais na limpeza,
      ides enganada em suma,
      porque em tirando-se a escuma,
      fica a carne uma pureza:
      fiai da minha destreza,
      que nesse apertado caso
      vos hei de escumar o vaso
      com tal acerto, e escolha,
      que há de recender a olha
      desde o Nascente ao Ocaso.

 7   As Damas, que mais lavadas
      costumam trazer as peças,
      e disso se prezam, essas
      são Damas mais deslavadas:
      porque vivendo aplicadas
      a lavar-se e mais lavar-se
      deviam desenganar-se,
      de que se não lavam bem,
      porque mal se lava, quem
      se lava para sujar-se.

8    Lavar para me sujar
      isso é sujar-me em verdade,
      lavar para a sujidade
      fora melhor não lavar:
      do que serve pois andar
      lavando antes que mo deis?
      Lavai-vos, quando o sujeis,
      e porque vos fique o ensaio,
      depois de foder lavai-o,
      mas antes não o laveis.


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