Amigos da Alcova

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O lascivo


António Nobre (1867-1903)



Corpo de ebúrnea pele, ó carne de alva infância!
entorna sobre mim o teu sangue pisado...
enlaça-me o pescoço em voluptuosa ânsia,
como se enlaça a corda à gorja do enforcado!

Morde-me o corpo, flor! Com teus espinhos de aço,
morde-me o olhar que chora e os lábios que dão ais...
Morde-me a fronte, os pés! Arranca-me um pedaço!
Queres auxilio? Pede o sabre aos generais.

Aguça a boca! Afia os dentes como espadas,
Sabá! na pedra amoladora do meu seio
e, após as fundas, cruéis e vermelhas dentadas,
chupa-me o sangue a arder, abre-me o corpo ao meio!

Vamos! Trovões! O meu noivado ilustre!
À Carne! À Ceia! A mesa está posta, anda ver:
o céu aceso de relâmpagos é o lustre:
nosso padrinho, Deus, já o mandou acender...

Os convidados são os tigres, as panteras,
que de Além-Mar vêm assistir às nossas bodas...
E tu, naquela orgia olímpica de feras,
devora-me, também, fera maior que todas!

Ó meu amor! Atende aos meus uivos funéreos!
Piedade! Vem! Sossega-os: dá mais pasto aos leões,
grita: façamos acordar os cemitérios!
E os defuntos uivar dentro dos seus caixões.

Quero-te ver, assim, estatelada, nua,
capaz de seduzir os mortos com desejos...
Ah, que o teu cio chegue aos astros, flor da Rua!
Que Jesus desça à Terra, a cobrir-te de beijos,
que o oceano aperte, enfim, em seus braços a Lua!...

Voyeurs desde o Natal de 2009