Amigos da Alcova

domingo, 26 de setembro de 2021

A fruta

 

                                    Laurindo Rabelo ( 1826-1864) 


A minha Márcia tinha

Uma fruta muito bela,

Não no miolo, na casca

Era todo o gosto dela.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Entre dois troncos bem grossos,

A frutinha se escondia,

Às vezes viam-se os troncos,

A fruta nunca se via.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Por mais verde que ela esteja

Sempre tem certa doçura,

Mostra o verdor no tamanho,

Rachada quanto madura.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Antes de tirar-lhe a casca

O meu bem tanto a zelava

Que se eu punha a mão nos troncos

Quase sempre se zangava!

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Duas rainhas mostrava

A natureza só nelas,

Era a rainha das frutas

Com a rainha das belas.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Meu bem, da rival zelosa,

Para sugar-lhe a doçura,

Tinha com força apertado

A boca na rachadura.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Prostrei-me a seus pés, tremendo

Em doce, amoroso abalo,

Exigindo ser pra sempre

Destas rainhas vassalo.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Hesitou Márcia um momento,

Porém eu tanto roguei

Que ali mesmo no jardim

O meu despacho alcancei.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Consentiu, pra que eu sentisse

Desse seu fruto a doçura,

Que eu pusesse a mão no pomo

E a boca na rachadura.

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 

Não, meu bem! dizia ela

Toda pia e resoluta;

Sem falar com o vigário,

Não me toque nesta fruta!

 

Ainda me lembra

Que gosto, que luta

Eu tive, tirando

A casca da fruta!

 


Voyeurs desde o Natal de 2009