João Cabral de Melo Neto (1920-1999)
De
fruta é tua textura
e
assim concreta;
textura
densa que a luz
não
atravessa.
Sem
transparência:
não
de água clara, porém
de
mel, intensa.
Intensa
é tua textura
porém
não cega;
sim
de coisa que tem luz
própria,
interna.
E
tens idêntica
carnação
de mel de cana
e
luz morena.
Luminosos
cristais
possuis
internos
iguais
aos do ar que o verão
usa
em setembro.
E
há em tua pele
o
sol das frutas que o verão
traz
no Nordeste.
É
de fruta do Nordeste
tua
epiderme:
mesma
carnação dourada.
solar
e alegre.
Frutas
crescidas
no
Recife relavado
de
suas brisas.
Das
frutas do Recife.
de
sua família,
tens
a madeira tirante,
muito
mais rica.
E
o mesmo duro
motor
animal que pulsa
igual
que um pulso.
De
fruta pernambucana
tens
o animal,
frutas
quase animais
e
carne carnal.
Também
aquelas
de
mais certa medida,
melhor
receita.
O
teu encanto está
em
tua medida,
de
fruta pernambucana,
sempre
concisa.
E
teu segredo
em
que por mais justo tens
corpo
mais tenso.
Tens
de uma fruta aquele
tamanho
justo;
não
de todas. de fruta
de
Pernambuco.
Mangas,
mangabas
do
Recife, que sabe
mais
desenhá-las.
És
um fruto medido.
bem
desenhado;
diverso
em tudo da jaca,
do
jenipapo.
Não
és aquosa
nem
fruta que se derrama
vaga
e sem forma.
Estás
desenhada a lápis
de
ponta fina,
tal
como a cana-de-açúcar
que
é pura linha.
E
emerge exata
da
múltipla confusão
da
própria palha.
És
tão elegante quanto
um
pé de cana,
despindo
a perna nua
de
dentre a palha.
E
tens a perna
do
mesmo metal sadio
da
cana esbelta.
O
mesmo metal da cana
tersa
e brunida
possuis,
e também do oiti,
que
é pura fibra.
Porém
profunda
tanta
fibra desfaz-se
mucosa
e úmida.
Da
pitomba possuis
a
qualidade
mucosa,
quando secreta,
de
tua carne.
Também
do ingá,
de
musgo fresco ao dente
e
ao polegar.
Não
és uma fruta fruta
só
para o dente,
nem
és uma fruta flor,
olor
somente.
Fruta
completa:
para
todos os sentidos,
para
cama e mesa.
És
uma fruta múltipla,
mas
simples, lógica;
nada
tens de metafísica
ou
metafórica.
Não
és O Fruto
e
nem para A Semente
te
vejo muito.
Não
te vejo em semente,
futura
e grávida;
tampouco
em vitamina,
em
castas drágeas.
Em
ti apenas
vejo
o que se saboreia,
não
o que alimenta.
Fruta
que se saboreia,
não
que alimenta:
assim
descrevo melhor
a
tua urgência.
Urgência
aquela
de
fruta que nos convida
a
fundir-nos nela.
Tens
a aparência fácil,
convidativa,
de
fruta de muito açúcar
que
dá formiga.
E
tens o apelo
da
sapota e do sapoti
que
dão morcego.
De
fruta é a atração
que
tens, a mesma;
que
tens de fruta, atração
reta
e indefesa.
Sempre
tão forte
na
carne e espádua despida
da
fruta jovem.
És
fruta de carne jovem
e
de alma alacre,
diversa
do oiti-coró
porque
picante.
E,
tamarindo,
deixas
em quem te conhece
dentes
mais finos.
És
fruta de carne ácida,
de
carne e de alma;
diversa
da do mamão,
triste,
estagnada.
É
do nervoso
cajá
que tens o sabor
e
o nervo-exposto.
És
fruta de carne acesa,
sempre
em agraz,
como
araçás, guabirabas,
maracujás.
Também
mangaba,
deixas
em quem te conhece
visgo,
borracha.
Não
és fruta que o tempo
ou
copo de água
lava
de nossa boca
como
se nada.
Jamais
pitanga,
que
lava a língua e a sede
de
todo estanca.
Aumentas
a sede como
fruta
madura
que
começa a corromper-se
no
seu açúcar.
Ácida
e verde:
contudo,
a quem te conhece
só
dás mais sede.
Ácida
e verde, porém
já
anuncias
o
açúcar maduro que
terás
um dia.
E
vem teu charme
do
leve sabor de podre
na
jovem carne.
Ao
gosto limpo do caju,
de
praia e sol,
juntas
o da manga mórbida,
sombra
e langor.
Sabes
a ambas
em
teus contrastes de fruta
pernambucana.
Sem
dúvida, és mesmo fruta
pernambucana:
a
graviola, a mangaba
e
certas mangas.
De
tanto açúcar
que
ainda verdes parecem
já
estar corruptas.
És
assim fruta verde
e
nem tão verde,
e
é assim que te vejo
de
há muito e sempre.
E
bem se entende
que
uns te digam podre e outros
te
digam verde.