Amigos da Alcova

domingo, 15 de junho de 2025

Ó tu, sublime puta encanecida

 Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

 

Ó tu, sublime puta encanecida,

que me negas favores dispensados

em rubros tempos, quando nossa vida

eram vagina e fálus entrançados,

 

agora que estás velha e teus pecados

no rosto se revelam, de saída,

agora te recolhes aos selados

desertos da virtude carcomida.

 

E eu queria tão pouco desses peitos,

da garupa e da bunda que sorria

em alva aparição no canto escuro.

 

Queria teus encantos já desfeitos

ressentir ao império do mais puro

tesão, e da mais breve fantasia.

 

domingo, 1 de junho de 2025

Na calada da noite

 

Rita Alencar Clark

 

Ele nem desconfia,

Enfiado em missões capitalistas,

Que nas noites de desmaios

Ela escorrega por túneis

Escuros, viscosos, aromáticos,

O corpo todo ondulando

E, se abrindo como leque

Oriental, lentamente, ela se

Levanta, um pouco de batom

E perfume francês…

Luzes dos neons acendem

Uma porta na parede lisa, ela vai

Doce, escorregando pelo túnel,

Buscando, serena e plena

O ponto mais alto de seu

Próprio prazer.

Ele nem desconfia…

 

 

domingo, 11 de maio de 2025

apetite

 


Marta Cortezão

 

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável.

Eu sou.

(Adélia Prado)

 

no vão do interdito

é que mora a poesia

que samba na tua cara

só de pilhérica sacanagem

gargalhando metalinguagem

 

minha gruta melopeia

decompõe teorias e cios

cavalgando o gozo pleno

em delirante sinestesia

só para descompassar

teu ritmo sisudo

e envolve-lo no meu sexo

de metonímias e arrepios

 

minha língua devora

teu verso ereto

com apetite de Lilith

só para descompassar

teu ritmo sisudo

e quebrá-lo na praia

de minhas nádegas

feitas de nuas metáforas

 

minha vulva vibra

em frequência sibilante

e sangra o ciclo da vida

 

no universo uterino

– escultor profissional

de mágicas epifanias –

só para descompassar

teu ritmo sisudo

e te afogar num afoito pleonasmo

de esperança verde muiraquitã



sábado, 19 de abril de 2025

Você

                                                 Charles Bukowski (1920-1994)

 

você é um monstro, ela disse

essa enorme barriga branca

e esses pés peludos.

jamais corta as unhas

tem mãos gordas

garras felinas

focinho brilhante

e as maiores bolas

que eu já vi.

esguicha esperma como

baleias esguicham água de

seus buracos nas costas.

 

monstro monstro monstro,

ela me beijou,

o que você quer para

o café da manhã?

domingo, 23 de março de 2025

Dizeres

 


Vanessa Almeida

 


Línguas não são estranhas.

 

Falo de almas livres

 

na dança úmida dos corpos.



domingo, 9 de março de 2025

Autoamor

 

Anete Valdevino

 

Em meus braços, eu me encontro,

Pura essência, sem máscaras.

Meu toque, uma carícia suave,

Meu olhar, admiração sem limites.

 

Minha pele, um jardim florido,

Meu coração, um oceano profundo.

Eu me amo, sem condições,

Eu me aceito, sem reservas.

 

Neste espelho, vejo beleza,

Força e vulnerabilidade.

Eu sou minha própria paixão,

Minha própria obra de arte.

 

Eu me amarei, hoje e sempre,

Com todos os meus defeitos e virtudes.

Eu sou minha própria rainha,

Minha própria fonte de amor.



domingo, 16 de fevereiro de 2025

Envulva-me

 


Envúlvame.

Saturnino Valadares

 


Envulva-me.

Tradução: Zemaria Pinto

domingo, 26 de janeiro de 2025

Despida

 

Myriam Scotti

 

 

De mim despeço-me ao me despir para ti...

Só tu conheces quem me torno




domingo, 8 de dezembro de 2024

Poema ao desejo

Maria Teresa Horta


Empurra a tua espada

no meu ventre

enterra-a devagar até ao cimo


que eu sinta de ti a queimadura

e a tua mordedura nos meus rins

 

deixa depois que a tua boca

desça 

e me contorne as pernas com doçura


Ó meu amor a tua língua

prende

aquilo que desprende de loucura


quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Fantasia para oboé

 


Nei Leandro de Castro

 

Praticar o coito anal

com uma jovem poeta

nós dois equilibrados

num selim de bicicleta.



domingo, 11 de agosto de 2024

Jogo rápido (fragmentos)

  

Eliakin Rufino

 

tenho cacimbas no corpo

para que bebas amor

meu licor

 

sinto frio nesta cama quente

abre tuas pernas

pra que eu entre

 

festa no interior

o rio e a floresta

no cio fazendo amor

 

caminho

capim

carinho

 

mujer desnuda

mis ojos caminan

en tu cuerpo

 

brinco exótico

bico do peito

pássaro erótico

 

seios de menina

doce vale

suave colina

 


domingo, 7 de julho de 2024

Sedução


Adélia Prado

 

A poesia me pega com sua roda dentada,

me força a escutar imóvel

o seu discurso esdrúxulo.

Me abraça detrás do muro, levanta

a saia pra eu ver, amorosa e doida.

Acontece a má coisa, eu lhe digo,

também sou filho de Deus,

me deixa desesperar.

Ela responde passando

a língua quente em meu pescoço,

fala pau pra me acalmar,

fala pedra, geometria,

se descuida e fica meiga,

aproveito pra me safar.

Eu corro ela corre mais,

eu grito ela grita mais,

sete demônios mais forte.

Me pega a ponta do pé

e vem até na cabeça,

fazendo sulcos profundos.

É de ferro a roda dentada dela.

 

domingo, 23 de junho de 2024

Poema 1 (dos 20 poemas de amor e uma canção desesperada)

 

Pablo Neruda (1904-1973)


Corpo de mulher, alvas colinas, coxas brancas,

ao mundo te assemelhas em teu ato de entrega.

O meu corpo selvagem de camponês te escava

e faz saltar o filho das entranhas da terra.


Fui um túnel vazio. De mim fugiam pássaros

e a noite me infiltrava sua invasão resoluta.

Para sobreviver forjei-te qual uma arma,

uma flecha em meu arco e pedra em minha funda.


Tomba porém a hora da vingança e eu te amo.

Corpo de pele e musgo, de leite ávido e firme.

Ah os vasos do peito! Ah os olhos de ausência!

Ah as rosas do púbis! Ah tua voz lenta e triste!

 

Corpo de mulher minha, persisto em tua graça.

Minha ânsia sem limites, meu caminho indeciso!

Sulcos escuros onde a sede eterna corre,

onde a fadiga corre, e a dor, este infinito.

 

(Trad. Domingos Carvalho da Silva)

domingo, 26 de maio de 2024

Essa negra Fulô

 

Jorge de Lima (1893-1953)

 

 

Ora, se deu que chegou

(isso já faz muito tempo)

no banguê dum meu avô

uma negra bonitinha

chamada negra Fulô.

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

Ó Fulô! Ó Fulô!

(Era a fala da Sinhá)

— Vai forrar a minha cama

pentear os meus cabelos,

vem ajudar a tirar

a minha roupa, Fulô!

 

Essa negra Fulô!

 

Essa negrinha Fulô!

ficou logo pra mucama

para vigiar a Sinhá,

pra engomar pro Sinhô!

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

Ó Fulô! Ó Fulô!

(Era a fala da Sinhá)

vem me ajudar, ó Fulô,

vem abanar o meu corpo

que eu estou suada, Fulô!

vem coçar minha coceira,

vem me catar cafuné,

vem balançar minha rede,

vem me contar uma história,

que eu estou com sono, Fulô!

 

Essa negra Fulô!

 

“Era um dia uma princesa

que vivia num castelo

que possuía um vestido

com os peixinhos do mar.

Entrou na perna dum pato

saiu na perna dum pinto

o Rei-Sinhô me mandou

que vos contasse mais cinco.”

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

Ó Fulô? Ó Fulô?

Vai botar para dormir

esses meninos, Fulô!

“minha mãe me penteou

minha madrasta me enterrou

pelos figos da figueira

que o Sabiá beliscou.”

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

Ó Fulô? Ó Fulô?

(Era a fala da Sinhá

Chamando a negra Fulô.)

Cadê meu frasco de cheiro

Que teu Sinhô me mandou?

 

— Ah! Foi você que roubou!

Ah! Foi você que roubou!

 

O Sinhô foi ver a negra

levar couro do feitor.

A negra tirou a roupa.

O Sinhô disse: Fulô!

(A vista se escureceu

que nem a negra Fulô.)

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

Ó Fulô! Ó Fulô!

Cadê meu lenço de rendas,

Cadê meu cinto, meu broche,

Cadê o meu terço de ouro

que teu Sinhô me mandou?

Ah! foi você que roubou!

Ah! foi você que roubou!

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

O Sinhô foi açoitar

sozinho a negra Fulô.

A negra tirou a saia

e tirou o cabeção,

de dentro dele pulou

nuinha a negra Fulô.

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

Ó Fulô! Ó Fulô!

Cadê, cadê teu Sinhô

que Nosso Senhor me mandou?

Ah! Foi você que roubou,

foi você, negra Fulô?

 

Essa negra Fulô!

domingo, 5 de maio de 2024

Divisamos assim o adolescente

 

Mário Faustino (1930-1962)

 

 

Divisamos assim o adolescente,

A rir, desnudo, em praias impolutas.

Amado por um fauno sem presente

E sem passado, eternas prostitutas

Velam por seu sono. Assim, pendente

O rosto sobre o ombro, pelas grutas

Do tempo o contemplamos, refulgente

Segredo de uma concha sem volutas.

Infância e madureza o cortejavam,

Velhice vigilante o protegia.

E loucos e ladrões acalentavam

Seu sonho suave, até que um deus fendia

O céu, buscando arrebatá-lo, enquanto

Durasse ainda aquele breve encanto.

 


domingo, 14 de abril de 2024

vadiagem

 

Marta Cortezão

 

Ó meu amor a tua língua

prende

aquilo que desprende da loucura

(Maria Teresa Horta)

 

a cidade nua se abre

aos meus olhos

se mostra lúdica

oferecendo-se ao prazer

 

a cidade me deslumbra

me excita à vadiagem

segredando-me ao ouvido

desejos guardados

palavras libidinosas

 

a cidade se enrosca

em meu corpo

me aperta as nádegas

me assanha o sexo

me seduz inteira

 

a cidade se derrama

me devora

me absorve

me consome

 

a cidade me acende

um gozo vivo

uma transa louca

na fúria das horas



Voyeurs desde o Natal de 2009