Amigos da Alcova

terça-feira, 24 de julho de 2012

colhe os colhões a boca

E. M. de Melo e Castro



colhe os colhões a boca
o barco a flor o mastro
a língua louca louca
o satro[1] glande monstro

que na água que mostro
laiva o sabor do ouro
álcool que vem do mosto
leite que sabe a louro

pelo de pele colhida
jeito informe que pica
alga onda comprida
que treme e foge e fica

colhe no ar e foge
a árvore da vida.



[1] Satro: contração de sátiro.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

a minha amada


Dori Carvalho



a minha amada
tem cheiro de flor do campo

a minha amada
tem pele de seda chinesa

a minha amada
tem gosto de damasco espanhol

a minha amada
invade todos os meus sonhos
e faz meu coração chorar de saudade

a minha amada
entra por todos os meus poros
e faz meu corpo tremer de desejo

a minha amada
faz minh’alma vagar todas as noites
entre o inferno e o paraíso

segunda-feira, 2 de julho de 2012

A cantora gritante

Hilda Hilst (1930-2004)





Cantava tão bem

Subiam-lhe oitavas

Tantas tão claras

Na garganta alva

Que toda vizinhança

Passou a invejá-la.

(As mulheres, eu digo,

porque os maridos

às pampas excitados

de lhe ouvir os trinados,

a cada noite

em suas gordas consortes

enfiavam os bagos).

Curvadas, claudicantes

De xerecas inchadas

Maldizendo a sorte

Resolveram calar

A cantora gritante.

Certa noite... de muita escuridão

De lua negra e chuvas

Amarraram o jumento Fodão a um toco negro.

E pelos gorgomilos

Arrastaram também

A Garganta Alva

Pros baixios do bicho.

Petrificado

O jumento Fodão

Eternizou o nabo

Na garganta-tesão... aquela

Que cantava tão bem

Oitavas tão claras

Na garganta alva.



Moral da estória:

Se o teu canto é bonito,

Cuida que não seja um grito.

Voyeurs desde o Natal de 2009