Amigos da Alcova

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Brasil versus Portugal ou Língua portuguesa inculta e bela

Nei Leandro de Castro


Vós tendes tetas
nós temos peitos
vós tendes conas
temos bocetas
vós tendes cus
nós temos bundas
e uma profunda
sinonímia
o que é cu
para nós outros:
boga, roscofe
frinfa, cequinho
lorto, cioba
cibió, foba
abre-e-fecha-sem-cordão
franzido, pisca-pisca
olho-da-goiaba
alvado, fiofó
pevide, viegas
zé-do-ó
zé-das-pregas
zé-do-peido
escurinho
fim de espinhaço
rego, poço
e eticétera.
A nossa língua
tal como a vossa
usa a francesa
faz o minete.
Mas a trombada
da nossa língua
não é trombada
é mais lambida
é mais chupada.
Vós tendes vós
temos vocês
por não sabermos
mais concordar
nossos plurais.
Vós e vossa excelência
sabem a ruibarbosa
ou indecência.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Revelação

Pedro Homem de Melo (1904-1984)



Tinha quarenta e cinco... e eu, dezesseis...
Na minha fronte, indômitos anéis
vinham da infância, saltitando ainda.

Contavam dela: – Já falou a reis!
Tinha quarenta e cinco... e eu, dezesseis...
Formosa? Não. Mais que formosa: Linda.

Seu olhar diz: Seja o que o Amor quiser,
a verde planta que os meus dedos tomem!

Pela última vez foste mulher...
E eu, pela vez primeira, fui um homem!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Você diz que arromba, arromba

Laurindo Rabelo (1826-1864)

Mote
Você diz que arromba, arromba,
Não se arromba desta sorte;
Quem o tem apertadinho
Vê-se nas ânsias da morte.

Glosa


A Jônio dizia Eulina,
No leito deitada e nua:
— É tão grossa a coisa sua
E a minha racha tão fina!
— Isso arromba-se, menina,
Diz ele, encostando a tromba.
— O que, meu bem? Você zomba,
E abusa da inocência!
Eu lhe peço paciência,
Você diz que arromba, arromba!

— Ai! Ai!... Com que força fura!
Não parece alma cristã!
Guarde o resto p’ra amanhã,
Que já fez-me uma cisura.
Que coisa tão grossa e dura!
Ai! Meu bem, está tão forte!...
Com mais outra dá-me a morte!...
Modere esse seu furor,
Olhe que a porta de amor
Não se arromba desta sorte!

Na boca em que a dor mais grassa
Impõe e torna sublime
Jônio mil beijos imprime
Que à voz servem de mordaça;
Nos peitos a mão lhe passa,
E assim lhe diz com carinho:
— Tire esta mão do coninho,
Pois essa dor me tortura,
Sente sempre na abertura
Quem o tem apertadinho.

— Você (prossegue extremoso)
Agora pensa que morre,
Porém logo que se esporre
Verá que prazer, que gozo!...
Ai!... Entro!... Não é gostoso?
— Não; que dor!... Meu bem, suporte!
A bela faz-se de forte,
Põe-se co’a bunda a mexer,
E entre a dor e o prazer
Vê-se nas ânsias da morte!

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Da prisão

Adrienne Rich



Sob minhas pálpebras outro olho se abriu
e olha cruamente
a luz

que penetra vindo do mundo da dor
mesmo enquanto durmo
 
Fixamente ele encara
tudo que eu enfrento
 
e mais
 
ele vê os cassetetes e as coronhas
levantando e baixando
ele vê
 
o detalhe que a TV não mostra
 
os dedos da polícia feminina
esquadrinhando a boceta da jovem prostituta
ele vê
 
as baratas caindo dentro da panela
onde preparam carne de porco
no presídio
 
ele vê
a violência
encravada no silêncio
 
Este olho
não é para chorar,
sua visão
deve ser nítida
 
apesar das lágrimas em meu rosto
 
seu objetivo é a lucidez
nada deve ser esquecido


(Trad. Olga Savary)

Voyeurs desde o Natal de 2009