Amigos da Alcova

sábado, 30 de abril de 2011

Soneto do século de ouro espanhol

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– Que quer de mim, senhor? – Filha, foder-te.
– Diga com mais rodeios. – Cavalgar-te.
– Diga ao modo cortês. – Então, gozar-te.
– Diga ao modo pateta. – Merecer-te.

– Bem hajas que consigo compreender-te
e mal haja quem peça de tal arte.
Depois, o que farás? – Arregaçar-te
e com a pica alçada acometer-te.

– Tu sim hás de gozar meu paraíso.
– Que paraíso? Eu quero é minha porra
metida bem no fundo do teu racho.

– Com que rodeio o dizes, tão precioso!
– Caluda, amor, que de prazer já morra,
fodendo-te eu por cima, tu por baixo.


(Trad. José Paulo Paes)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Que me venha esse homem

Bruna Lombardi



Que me venha esse homem
depois de alguma chuva
que me prenda de tarde
em sua teia de veludo
que me fira com os olhos
e me penetre em tudo.

Que me venha esse homem
de músculos exatos
com um desejo agreste
com um cheiro de mato
que me prenda de noite
em sua rede de braços
que me perca em seus fios
de algas e sargaços.

Que me venha com força
com gosto de desbravar
que me faça de mata
pra percorrer devagar
que me faça de rio
pra se deixar naufragar.

Que me salve esse homem
com sua febre de fogo
que me prenda no espaço
de seu passo mais louco
que me venha esse homem
que me arranque do sono
que me machuque um pouco.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Cera & Nata para Desdêmona

Glauco Mattoso
(pra não dizerem que não canto as fêmeas)



Oh minha doce amada,
minha goiabada,
tão conspícua
quão conspúcia,
inconstante e mamada,
desnaturada e desnatada!
Oh minha desdenhosa,
divina, demoníaca
diva doidivanas,
como amo
tuas anas
quando me envenenas
com teus ventos;
tuas xanas
planas e plenas
de corrimentos;
tua prepúcia
que não posso
arregaçar
e teu regaço
que não passo
sem cabaçar!

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Itamaracá

Simão Pessoa


Do ri(s)o negro cariado
surge o segredo cifrado:
que tal aquele programa,
ó com pinta de bacana?

Nos becos escuros ao longo,
meninotas vão mostrando
os peitos quase à deriva,
as bundas cheias de estrias.

Pedem dinheiro, cigarro,
balançam chaves de quarto,
esboçam um risinho triste,
que não agrada, agride.

Debruçam-se, constrangidas,
recebem a goma lasciva,
logo logo voltam à luta.
Que vida filha da puta!

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Meus Amores

Luiz Gama (1830-1882)

Pretidão de amor,
Tão leda a figura
Que a neve lhe jura,
Que mudara a cor.

CamõesEndechas


Meus amores são lindos, cor da noite
Recamada de estrelas rutilantes;
Tão formosa crioula, ou Tétis negra
Tem por olhos dois astros cintilantes.

Em rubentes granadas embutidas
Tem por dentes as pérolas mimosas,
Gotas de orvalho que o inverno gela
Nas breves pétalas de carmínea rosa.

Os braços torneados que alucinam,
Quando os move perluxa com langor.
A boca é roxo lírio abrindo a medo,
Dos lábios se distila o grato olor.

O colo de veludo Vênus bela
Trocara pelo seu, de inveja morta;
Da cintura nos quebros há luxúria
Que a filha de Cineras não suporta.

A cabeça envolvida em núbia trunfa,
Os seios são dois globos a saltar;
A voz traduz lascívia que arrebata,
– É coisa de sentir, não de contar.

Quando a brisa veloz, por entre anáguas
Espaneja as cambraias escondidas,
Deixando ver aos olhos cobiçosos
As lisas pernas de ébano luzidas.

Santo embora, o mortal que a encontra pára;
Da cabeça lhe foge o bento siso;
Nervosa comoção as bragas rompe-lhe,
E fica como Adão no Paraíso.

Meus amores são lindos, cor da noite,
Recamada de estrelas rutilantes;
Tão formosa crioula, ou Tétis negra,
Tem por olhos dois astros cintilantes.

Ao ver no chão tocar seus pés mimosos,
Calçando de cetim alvas chinelas,
Quisera ser a terra em que ela pisa,
Torná-las em colher, comer com elas.

São minguados os séculos para amá-la,
De gigante a estrutura não bastara,
De Marte o coração, alma de Jove,
Que um seu lascivo olhar tudo prostrara.

Se a sorte caprichosa em vento, ao menos,
Me quisesse tornar, depois de morto;
Em bojuda fragata o corpo dela,
As saias em velame, a tumba em porto,

Como os Euros, zunindo dentre os mastros,
Eu quisera açoitar-lhe o pavilhão;
O velacho bolsar, bramir na proa,
Pela popa rojar, feito em tufão.

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Dar cultos à beleza, amor aos peitos,
Sem vida que transponha a eternidade,
Bem que mostra que a sandice estava em voga
Quando Uranus gerou a humanidade.

Mas já que o fato iníquo não consente,
Que o amor, além da campa, faça vaza,
Ornemos de Cupido as santas aras,
Tu feita em fogareiro, eu feito em brasa.

domingo, 10 de abril de 2011

platônica

Zemaria Pinto


ai, que já me arde a febre do desejo
volúpia de te ver, tocar, amavelmente
no ritual cotidiano das tardes mais banais

          como não sonhar com teu colo pálido
          e a sarda que se espalha
          pelo teu braço infinito?

          as minas de rosáceas do teu peito
          espalham nervos na sala entorpecida
          pela pressa de chegar de onde se vem

          sempre – cotidianamente
          a carne dos teus lábios
          roçagando minha barba por fazer

          a língua desfaz-se em fogo
          adivinhando tua língua de silêncios 
          meu coração delira preces pagãs

          a palavra – um convite? um carinho?
          desaba dentro de mim
          borboleta abatida a escopeta

          um helicóptero sobre minha cabeça
          cavalga walkírias & fúrias
          fim do expediente

(amor? amor um cacete
você não existe
o tesão não resiste

você não precisa saber
que a vida não vale nada
sem você!)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Soneto XX

Bocage (1765-1805)



Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades,
(Digo, de moças mil) num só momento,
Inimigo de hipócritas e frades;

Eis Bocage, em quem luz algum talento:
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou cagando ao vento.

domingo, 3 de abril de 2011

A boa dieta

Friedrich von Logau (1604-1655)



Carlota dissera ao seu doutor

Que lhe agradava, de manhã, fazer amor,

Embora à noite a coisa fosse mais sadia.

Sendo ela prudente, resolveu

Fazê-lo duas vezes ao dia:

De manhã, por prazer

De noite, por dever.


(Trad. José Paulo Paes)

Voyeurs desde o Natal de 2009